Segunda-Feira,  02/04/2012

Um pouco da Bahia, sob a chuva de São Paulo

Eliane Miraglia

Cheguei em São Paulo embaixo de chuva torrencial, depois de um sol de esturricar e um mar de escandalizar na Costa do Sauípe, Bahia. E precisei de uns dias para tecer algumas interpretações sobre a experiência de trabalhar no 6º Encontro Nacional PREVI & GEPES que reuniu, naquela paisagem surreal, cerca de uma centena de profissionais de diferentes níveis técnicos e hierárquicos para analisar, discutir e rever o método de trabalhar Previdência Complementar desenvolvido pela PREVI.

Para mim, coube tratar de dois temas. O primeiro, Gestão do Conhecimento, aparentemente mais teórico e denso. O segundo, uma oficina sobre como se apresentar em público, mais pragmático e cheio de energia. E foi exatamente essa combinação desigual de percepção entre teoria e prática que me motivou a refletir em uma pergunta que eu fiz incansavelmente naqueles dias: o quanto vale?

Qual o valor intangível de se trabalhar no Sauípe?

A natureza encanta, mas as pessoas surpreendem e apaixonam. Só o contraste revela essa ideia. Trabalhar em São Paulo, com toda a chuva, com todo o asfalto e o concreto, ou em outro lugar do mundo qualquer, é natural. Trabalhar naquela tela perfeita de Deus é sobrenatural! E as pessoas? Pessoas extraordinárias trabalharam e me fizeram trabalhar junto. Mais do que isso! Fizeram com que a minha paixão pelo que faço aumentasse, explodisse. Desde novembro de 2010 até então, eu tinha me apaixonado pelo projeto e pelo processo de trabalho. Mas agora, agora eu estou consciente do quanto essa experiência me tornou interdependente das pessoas!

Ora, mas foi exatamente esse conceito que eu levei para compartilhar lá! As pessoas me fizeram cair na teia que eu mesma armei! E aí está uma das lições mais bonitas da comunicação sobre a qual eu falei: a alternância de papéis. Os alunos que assumem o papel de professor e conduzem o processo de aprendizagem. Ensino a distância. Porque eu só entendi a lição quando já estava fisicamente longe de todos.

Quanto vale esse conhecimento intangível? Gestores do conhecimento de plantão, como criar um indicador para essa experiência intangivelmente transformadora? Eu quis falar da capacidade de antecipação da linguagem proposta por Mikhail Bahktin, encontrei quem me dissesse com muita propriedade sobre polifonia dos signos, conceito desenvolvido pelo mesmo filósofo da linguagem. Eu quis falar de consciência, encontrei quem falasse da influência do pensamento pela perspectiva dos fenômenos quânticos. Um escândalo! Um luxo! Um privilégio!

Sem palavras!

A Bahia inspira, é verdade! Todo canto, cor, poesia, dança, cultura, liberdade, energia num só lugar. Mas algumas pessoas têm um conceito equivocado em relação à associação entre Bahia e trabalho. Meu testemunho – aqui – é outro. Na Bahia, a transpiração tomou conta das pessoas. Ainda que vozes e mãos trêmulas demonstrassem uma responsabilidade maior do que a autoconfiança, todos arriscaram o próprio “jumping” e se superaram. Para mim, foi como um salto de paraquedas: três minutos de: “Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah” e, ao chegar inteira no solo: “Uau!!!!!!!!!”.

Uma coisa me intriga agora: como é que eu vou fazer para sentir essa adrenalina de novo? Como eu me relaciono com o mundo depois da expansão? Eu poderia e vou interpretar o resto da vida sobre o que foi o 6º Encontro Nacional PREVI & GEPES. Mas um detalhe vai me marcar para sempre, em razão de uma atividade batizada de leitura coletiva, aparentemente a com menor apelo em toda a programação.

Depois de atuar três anos como consultora, eu me esqueci de que uma das minhas brincadeiras preferidas de infância incluía uma lousa, giz, minha irmã caçula e uma fileira de bonecas. Eu simulava as aulas e leituras que faria quando fosse adulta. Para tornar o sonho completo, eu obrigava a todos, inclusive as bonecas, me chamarem de “professora”.

Muitos anos se passaram e eu atuei como analista, jornalista, editora, consultora, voluntária. Fiz o que a vida quis de mim. Só que, no dia seguinte à leitura coletiva no Sauípe, muito timidamente, uma das pessoas daquele grupo se aproximou e me perguntou sobre o nome de um autor e livro sobre os quais eu tinha feito referência no dia anterior.

Para isso, o agente de transformação (é assim que aqueles profissionais se posicionam) usou a palavra que recuperou o sentido e o meu papel naquela experiência mágica: “professora”! E desse jeito, tímido e surpreendente, ele fez o que eu jamais sonharia: resgatou e ressignificou a polifonia de uma existência. Com um gesto singelo, ele contribuiu para transformar uma vida. É assim que faz quem trabalha com Previdência Complementar. Isso é parte da mágica que as pessoas fizeram acontecer na Bahia e fazem acontecer em qualquer lugar. Afinal atitude não sabe o que é fronteira.

Eliane Miraglia - mestre em Ciências da Comunicação, especialista em Gestão de Processos Comunicacionais e consultora de comunicação. Com Marisa Santoro Bravi, escreveu A importância dos valores para a construção de novos paradigmas sociais, disponível para leitura em http://biblioteca.abrapp.org.br/default.html