Reforma da
Previdência é convite para que o Brasil comece a se comportar como gente grande
A reforma da Previdência é uma espécie de
convite para que o Brasil deixe de ser um país adolescente e comece a se
comportar como gente grande.
É evidente que
muita gente terá de trabalhar mais. É exatamente isto que acontece quando um
país envelhece, a longevidade aumenta e o modelo previdenciário se torna
insustentável.
É quase inútil,
neste debate todo, repetir à exaustão os números do nosso desastre. O déficit
da Previdência chegou a R$ 290 bilhões, gastamos perto de 12% do PIB com o
sistema, uma colcha de retalhos construída aleatoriamente, ao longo do tempo,
segundo a capacidade de pressão de cada corporação.
Tudo isso é sabido
e discutido todos os dias, país afora.
O ponto central é
que a reforma da Previdência é um típico dilema da ação coletiva: no conjunto e
a longo prazo, todos ganham. Mas no curto prazo e de modo concentrado, um
punhado relevante de grupos sociais perdem.
Grupos que, não
por acaso, dispõem de enorme capacidade de pressão política.
Vamos lá. O
funcionalismo público, por óbvio, não irá gostar da equiparação da idade mínima
em 62/65 anos. Quem, em seu juízo normal, decidiria trabalhar mais cinco ou
sete anos, como contribuição para o equilíbrio fiscal do país?
O mesmo vale para
os professores, em especial para as professoras. Por que elas deveriam
trocar a agradabilíssima perspectiva de uma aposentadoria aos 50 anos, por mais
dez anos de trabalho, preparando aulas e corrigindo provas?
E mais: trocar uma
aposentadoria integral, aos 60 anos, por uma integralidade condicionada a um
tempo de contribuição de 40 anos?
O mesmo vale para
os militares. Eles ficam de fora da PEC, mas logo serão objeto de um projeto de
lei específico. E a pergunta será a mesma. Para que mudar alguma coisa em um
sistema que permite a aposentadoria integral a mais de metade de seus quadros
antes dos 50 anos?
O raciocínio vale
para agentes penitenciários, socioeducativos, servidores dos estados,
parlamentares, carreiras jurídicas e para a classe média trabalhadora do regime
geral, que dispunha da generosa prerrogativa de se aposentar exclusivamente
pelo tempo de contribuição, sem a idade mínima.
Cada um desses
grupos estará devidamente representado no Congresso, e fará um enorme barulho
no mundo digital. E cada um terá, anotem aí, ótimas razões para defender suas
prerrogativas.
Professores dirão
que a profissão é desgastante; policiais acrescentarão o estresse e o risco;
militares enfatizarão que não têm sindicato, não fazem greve e que sequer
dispõem de um regime previdenciário; servidores de carreiras bem pagas, do setor
público, dirão que possuem direitos adquiridos e pedirão de volta o dinheiro
que já pagaram ao sistema.
Cada um terá, a
seu modo, alguma razão.
Os políticos que
se opõem à reforma insistirão na tese de que a expectativa de vida no país é
baixa e desigual. Que em alguns estados mal chega aos 65 anos, o que levaria a
média dos cidadãos a morrer antes de se aposentar.
O argumento é
falso como uma nota de três reais. O que importa, no debate previdenciário, é
expectativa de vida após os 60 ou 65 anos. No Brasil, mulheres vivem, em média,
24 anos após os 60, índice próximo a de muitos países europeus.
O mercado político
é feito exatamente disso: boas razões, pressão corporativa, muita retórica e
toneladas de demagogia.
Nosso sistema
político terá de vencer tudo isto. Terá de vencer, inclusive, o inimigo mais
perigoso da reforma: o político que se diz a seu favor, mas não exatamente
dessa reforma que tramita no Congresso. Foi um pouco o que fez, no passado, o
então deputado Jair Bolsonaro.
No fundo, é a
posição mais cômoda de todas: o sujeito vocifera ao lado da minoria barulhenta,
vota contra a reforma realmente existente e possível, mas discursa alegremente
a favor da reforma imaginária, que ele sabe que nunca irá acontecer.
Diante de um
quadro como este, é possível acreditar que a reforma tenha chance, no
Congresso? Creio que ninguém tem, com alguma dose de precisão, esta resposta.
O Brasil já
demonstrou ser capaz de aprovar reformas impopulares. A reforma trabalhista foi
uma delas, e teve como articulador exatamente o então deputado Rogério Marinho
(PSDB-RN), hoje principal responsável pelas negociações da reforma da
Previdência.
Há muitos sinais
que permitem certo otimismo. A habilidade de Rodrigo Maia (DEM-RJ), a boa
desenvoltura até agora demonstrada por Paulo Guedes, a força de um presidente
odiado por parte significativa da elite intelectual, mas com respaldo na
sociedade e ainda em lua de mel pós-eleitoral.
E um enorme
consenso de que chegou a hora, finalmente, do Brasil fazer uma reforma que
corrige distorções e caminha na direção da igualdade. E de quebra evita que o
país vá à falência.
Fernando Schüler , professor do Insper