LEITURA PARA FINAL DE SEMANA


A física quântica desafia nosso cérebro, mas não justifica esoterismo

Teorias são embrulhadas em jargões técnicos e frases confusas que inventam sentidos artificialmente

O cérebro humano busca por padrões, repetições de causas e efeitos que fazem o mundo parecer previsível e ordenado. Aprimorado por razão, lógica e coerência, este processo psíquico é crucial para nossa adaptação a qualquer meio. 

Embora divergentes, ciência e o misticismo são crias desta busca. Porém tudo se complicou ainda mais quando a curiosidade foi em direção ao átomo. 

Ao enfrentar estes mistérios, o homem desenvolveu a física quântica, campo de conhecimento que permite dominar a radioatividade. Mas ficou de frente a um conjunto de fenômenos contraintuitivos. 

O desafiador experimento mental proposto pelo vencedor do prêmio Nobel de física de 1933, Erwin Schrödinger, teoriza sobre os nós que a física quântica dá na razão. 

É, sem dúvida, um convidativo exercício para discussões científicas e filosóficas. Mas os conceitos físicos que enriquecem este debate foram maquiados e se tornaram argumentos indevidos utilizados para propagar falsa erudição. 

Fato que mostra como teorias esotéricas são embrulhadas em jargões técnicos e frases confusas que inventam sentidos de maneira artificial. Mais fácil é ter fé em generalizações e simplificações do que tentar compreender o complexo. 

Vamos contra a corrente para tentar entender melhor a proposta de Schrödinger.

Um gato está preso em uma caixa, isolado do mundo. Dentro desta caixa, há material pouco radioativo que perde energia lentamente. Quando a energia decair para um determinado ponto, um dispositivo inacessível será acionado e o gato morrerá. Saber o estado da carga radioativa dentro da caixa permite saber se o felino está vivo. 

Os cientistas, do lado de fora, conhecem bem a radioatividade e conseguem calcular precisamente a perda de energia do material. 

Eles sabem, também, que a fonte energética está nos elétrons, partículas que se portam ora como onda ora como matéria. Mas entre estas duas formas existe um estado de interposição, que desaparece quando os cientistas tentam medi-lo. 

Como se a simples tentativa de observar esse estado forçasse a interposição a se tornar matéria ou onda. A vida ou morte do bichano depende do que a interposição se tornará. A observação colapsa uma realidade predita por cálculos, e outra emerge tão logo a caixa for aberta.

Até que a caixa seja aberta, existira o estado de interposição, situação em que o elétron não nem onda nem partícula. 

Paralelamente a esta incerteza, está a situação biológica do gato, ligada ao elétron. Portanto, antes de se tirar o lacre do recipiente quântico, haverá um gato nem vivo e nem morto associado a uma partícula nem onda nem matéria. Um absurdo que surge quando tentamos ver o macro como se olhássemos o micro. 

A física quântica mantém em sua essência uma coleção de outros absurdos, fora da lógica, da ordem e da previsibilidade. E escancara os limites do cérebro humano em compreender a invisível realidade.

Para alguns místicos, estes desconcertos contêm argumentos quânticos de que o pensamento muda a realidade. Ou seja, a energia mental flui em ondas fantasmagóricas que interferem no sistema radioativo e podem salvar o gato. 

Se é assim, pode-se materializar desejos, alterar nossas partículas e tratar doenças através das curas quânticas. Fossem verdadeiras essas suposições místicas, bastaria “mentalizar” e o urânio estaria enriquecido.

O que se ignora é que a observação rompe com o estado de interposição, talvez porque esta é um complicado artefato estatístico. Além disso, os instrumentos que documentam os acontecimentos atômicos e subatômicos interagem e acabam interferindo nos resultados dos estudos.

Mas claro, pensamentos mudam, de fato, a realidade, pois produzem ações musculares, criam planos e nos dão voz. Padrões sob medida de causa e efeito. 

Para escrever este texto foi fundamental a ajuda do mestre em engenharia biomédica e bacharel em física Vitor Mori.

Luciano Magalhães Melo -médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

Fonte: coluna jornal FSP

 

 



 



SUPORTE
Tel: 11 5044-4774/11 5531-2118 | suporte@suporteconsult.com.br