Reforma da Previdência ignora descompasso entre vida longa e vida saudável


Pessoas estão vivendo mais, porém, com mais fragilidades e problemas de saúde, afirma Claudia Collucci em artigo.

reforma da Previdência tem gerado vários debates, mas uma questão passou despercebida: o descompasso entre uma vida cada vez mais longa projetada pelas tábuas demográficas e usadas no cálculo da aposentadoria e a vida real de idosos brasileiros, cada vez mais cheia de limitações e fragilidades. 

De acordo com a proposta encaminhada à Câmara dos Deputados, a partir de 2024, um gatilho garantirá que a idade mínima para a aposentadoria possa ser reajustada automaticamente a cada quatro anos, de acordo com a alta da expectativa de vida da população.

Atualmente, uma pessoa que chega aos 65 anos de idade vive, em média, mais 18,4 anos. Isso é chamado expectativa de sobrevida e indica o período em que a aposentadoria deverá ser paga.

De acordo com a proposta, se for constatado que essa expectativa aumentou um ano, a idade mínima para aposentadorias subiria automaticamente.

A justificativa do secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, é que o gatilho serviria para ajustar as regras em função das melhorias da medicina, saneamento, por exemplo, que geram aumento da expectativa de sobrevida. Ocorre que cada vez mais estudos demonstram que as pessoas estão vivendo mais, porém, em piores condições de saúde, com uma maior carga de doenças crônicas, o que exigirá mais recursos públicos e privados de saúde. 

 

Entre 2000 e 2010, por exemplo, a população paulistana acima de 60 anos ganhou, em média, dois anos a mais de expectativa de vida, mas perdeu até três de vida saudável.

A expectativa de vida de homens de 60 a 64 anos passou de 17,7 para 19,7 anos. No mesmo período, o número de anos de incapacidade pulou de 4,4 para 7,2. Entre as mulheres da mesma faixa etária, os anos de incapacidade passaram de 9,4 para 13,2.

De 2000 a 2016, o índice de idosos com dificuldade de realizar atividades básicas, como tomar banho, ir ao banheiro, comer e se vestir sozinho, pulou de 10% para 16%.

Em relação às chamadas atividades instrumentais, como utilizar transportes, fazer compras e cuidar do seu dinheiro, a taxa passou de 23% para 36%.

Um quinto (21%) desses novos idosos estão em uma situação de fragilidade, com fadiga, redução da força muscular e da velocidade da caminhada. São pelo menos 110 mil nessa situação.

Ou seja, a imagem de idoso sarado fazendo academia, surfando em Santos ou correndo no calçadão de Copacabana parece representar poucos. Há muitos na faixa de 65, 70 anos que nem saem mais de casa.

O rápido processo de envelhecimento populacional representa hoje um dos principais desafios para o sistema de saúde brasileiro. Em 2030, o país terá mais idosos do que crianças pela primeira vez na história. Serão 41,5 milhões (18% da população) de pessoas acima de 60 anos, contra 39,2 milhões (17,6%) das que terão de zero a 14 anos. Hoje os idosos somam 29,4 milhões (14,3%).

Essa transição demográfica, que na Europa levou 180 anos, deve acontecer em metade desse tempo no Brasil. O país, obviamente, não está preparado para isso. Não há política pública voltada para a educação e prevenção das fragilidades verificadas na velhice, muitas das quais passíveis de serem evitadas ou postergadas.

O impacto das novas regras da Previdência na saúde dessa população que envelhece com tantas limitações é algo ainda a ser estudado. Mas um bom começo seria que as discussões econômicas, em vez de girarem em torno apenas da elevação da expectativa de vida ao nascer, passassem a considerar também os anos que os idosos estão perdendo com um viver incapacitante.



FOLHA DE SÃO PAULO
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