Qualidade dos
serviços de saúde e educação no setor público não é compatível com o volume de
recursos alocados.
A Constituição Federal de 1988 buscou garantir um volume mínimo de
recursos públicos para o combate à pobreza no Brasil. Identificou,
corretamente, a educação e a saúde como áreas críticas para romper o círculo
vicioso da pobreza que assolava grande parte da população brasileira. Visando a
garantir um montante mínimo de recursos para essas áreas –em um país com longo
histórico de captura de privilégios para as elites políticas– a
Constituição vinculou 25% e 15% das receitas estaduais e municipais à educação
e saúde, respectivamente (18% e 15% no caso do Governo Federal).
Desde então, alguns estados foram além e aumentaram a receita vinculada
à educação e saúde em suas constituições estaduais. O Brasil se sobressai nessa
abordagem, já que poucos países têm casos tão extremos de vinculação de
receitas a gastos específicos em suas constituições –certamente não em níveis
tão elevados quanto no Brasil.
A Constituição
canalizou um grande fluxo de recursos para a educação e a saúde. Na educação,
os gastos aumentaram de cerca de 4% do PIB em 2000 para 6,2% do PIB em 2015,
triplicando os gastos por aluno. De fato, a parcela do PIB destinada à educação
no Brasil é maior que nos países da OCDE. Esses recursos trouxeram melhorias
importantes –por exemplo, uma cobertura do Ensino Fundamental de quase 100% e a
criação do SUS (Sistema Único de Saúde).
A qualidade dos
serviços de saúde e educação no setor público, no entanto, não é compatível com
o volume de recursos alocados. De acordo com o relatório Ajuste Justo do
Banco Mundial, o custo da ineficiência na educação equivale a 1% do PIB no
Brasil; se fossem usados com eficiência, esses recursos poderiam melhorar os
resultados do Ensino Fundamental em 40%, e do Ensino Médio em 18%. Embora essa
relativa ineficiência tenha diversos motivos, alguns podem estar ligados às
vinculações.
Em primeiro lugar,
as vinculações têm um impacto negativo na gestão orçamentária de modo geral,
pois engessam o orçamento. De fato, mais de 90% das despesas públicas federais
no Brasil já estão comprometidas, deixando pouco espaço para novas prioridades.
É um patamar muito acima de outros países da América Latina e da OCDE.
Em segundo lugar,
os gastos públicos tornam-se muito pró-cíclicos. Quando a arrecadação é maior
do que o esperado, o dispêndio com educação e saúde aumenta, gerando gastos
recorrentes que serão difíceis de suportar se houver uma queda na receita
arrecadada em anos subsequentes, dado o grande componente salarial nos dois
setores e a forte proteção dos servidores públicos. Nessa situação, os
políticos são obrigados a cortar bens essenciais ou investimentos com retornos
possivelmente mais elevados.
Em terceiro lugar,
distorce o processo de alocação nos dois setores. O planejamento é difícil,
pois os recursos dependem de receitas e não de necessidades. Além disso, os
recursos destinados à educação e à saúde não concorrem com outros setores,
podendo tornar a avaliação das políticas menos rigorosa. As vinculações não
estão ligadas a uma abordagem "de baixo para cima" baseada nas
necessidades dos setores e, portanto, não correspondem necessariamente às
tendências demográficas estruturais, que demandam gastos crescentes com saúde à
medida que a população envelhece e menos gastos com educação à medida que o
número de crianças diminui.
FOLHA DE SÃO PAULO