Redução da pensão
por morte é desafio para mulheres da terceira idade.
“Aprendam a
fazer o bem, busquem o direito, socorram o oprimido, façam justiça ao órfão,
defendam a causa da viúva.”
Foram muitos os deputados, favoráveis e contrários à reforma da Previdência, que recorreram à
citação do Livro de Isaías para defender regras menos rígidas na concessão de pensões por morte ao votar na quinta-feira
(11) destaques ao texto principal, aprovado na véspera em primeiro turno na
Câmara.
A preocupação se justifica. As novas regras para pensões são um dos pontos mais polêmicos da reforma e
representam um desafio financeiro para as mulheres, principalmente as idosas.
Viúvas,
ex-cônjuges, filhas, irmãs e mães representam 83% dos que recebem pensão por
morte do INSS, segundo o Anuário Estatístico da Previdência. Entre as
pensionistas, 71% tem 60 anos ou mais.
Sob as novas
regras, o pagamento para o principal beneficiário será de 60% do valor original
da aposentadoria do INSS, mais 10% por dependente adicional.
A viúva com dois filhos receberá 80% do que era pago a quem morreu. Hoje, o
valor corresponde a 100% do benefício, independentemente do número de pessoas
na família.
Com a nova regra, ela poderá receber menos de um salário mínimo, algo que não ocorre
hoje. O piso será de R$ 598,80 no regime geral.
A reforma também limita o acúmulo de pensão e aposentadoria. Serão pagos 100%
do benefício de maior valor, mais a soma dos demais aplicada a limitação de 80%
na faixa até 1 salário mínimo; 60% acima de 1 até 2; 40% acima de 2 até 3; 20%
acima de 3 até 4; e 10% na faixa acima de 4 mínimos.
Na quinta, os congressistas fizeram uma alteração para permitir que a pensão
não seja menor que o salário mínimo (R$ 998) se for a única renda do dependente
principal —independentemente da dos demais membros da família.
Essa alteração teve o apoio da bancada evangélica, que se juntou a
partidos de esquerda nas 130 citações às viúvas, aos órfãos e à Bíblia. A oposição, aliás, tentou manter as regras
atuais, mas foi derrotada.
As pensões por morte previdenciárias representam um quarto dos benefícios do
regime geral. O governo estima uma economia em torno de R$ 130 bilhões em dez
anos com as mudanças, quase 15% do impacto total da reforma.
Como a Câmara irá votar a proposta em 2º turno em agosto e a reforma também
precisa do aval do Senado, as regras podem mudar. Além disso, para
especialistas em direito previdenciário, a questão será judicializada.
Diego Cherulli, diretor do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito
Previdenciário), diz que, em muitos casos, mesmo com um filho completando 21
anos, os gastos da família continuam os mesmos. Por isso, para ele, seria mais
justo que ao menos parte da cota desse dependente fosse revertida para outros
familiares.
“O salário mínimo é o mínimo existencial para o núcleo familiar. A pensão
também é um benefício substituidor de renda. Sendo aprovado, provavelmente
virão ações de inconstitucionalidade”, afirma.
“Um benefício abaixo do salário mínimo viola um direito fundamental. É um tema
para o Judiciário. A pessoa não vai ter uma Previdência mínima, que foi o que o
segurado custeou”, diz João Badari, especialista em direito previdenciário e
sócio da Aith, Badari e Luchin Advogados.
Ele cita como positiva a exceção criada para pessoas com deficiência ou
incapacidade, que receberão o valor integral.
O advogado afirma que outro aspecto negativo é que foram mantidas regras
diferenciadas para servidores públicos, o que contraria o discurso do governo
de que a reforma acaba com privilégios.
Não se alterou, por exemplo, a regra de
pensões de servidores estaduais e municipais. Além disso, há benefícios para
funcionários federais.
Embora mantenha a mesma regra do INSS que permite receber menos de 100% do
benefício original, o novo texto da reforma excluiu o desconto de 30% da
parcela que excede o teto do RGPS (R$ 5.839,45) para o servidor.
No setor público federal, o valor médio do benefício é de R$ 5.195 no Poder
Executivo e chega a uma média de R$ 21.167 no Legislativo. No regime geral, é
de R$ 1.687.
“Sobrou quase tudo para o regime geral”, afirma Badari ao apontar os
trabalhadores do setor privado como os mais afetados pelas mudanças. “É uma
reforma que está criando privilégios.”
FOLHA DE SÃO PAULO