Há pouco em comum entre a estratégia de reformas de Jair Bolsonaro e a de Fernando Henrique
Cardoso, exceto sua propositura durante a lua de mel presidencial. No caso
de FHC, houve uma cornucópia constitucional —um pacote de nove emendas
(ECs), cuja trajetória traz lições importantes. Aquelas que flexibilizaram
monopólios (petróleo, telecomunicações, navegação de cabotagem, gás canalizado)
foram aprovadas em seis meses e a da Previdência (PEC 33), em 38.
Bolsonaro age como se tivesse uma única bala na agulha (o pacote de Moro não contém EC, que exige
quórum de três quintos e duas rodadas de votação). Terá ela a mesma sorte que a
PEC 33?
O capital político de FHC foi utilizado na área da economia e das
privatizações (a da Vale ocorreu em maio de 1997). O resultado foi um
plebiscito enquanto a PEC 33 patinava.
As dificuldades deviam-se às perdas concentradas que implicava para
servidores públicos e trabalhadores do setor privado e ao fato que o governo
ainda não contava com uma coalizão estável, como acontece com Bolsonaro hoje.
FHC dispunha inicialmente do apoio de 183 deputados do PSDB, PFL e PTB
—o PMDB não era da base. Dois de seus deputados atuaram como adversários: Euler
Ribeiro, relator, e Prisco Viana, que na CCJ desmembrou a proposta em
quatro.
Os reveses da reforma levaram o então presidente da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães, a retirá-la da
Comissão Especial, na qual o substitutivo do relator seria derrotado,
submetendo-o ao plenário. A emenda aglutinativa, relatada por Michel
Temer, passou com dificuldade devido às centenas de destaques para votação em
separado (DVS), que exigiam votação nominal e aumentavam o custo político do
apoio a medidas impopulares.
No Senado, o projeto foi aprovado dado à ampla maioria do governo, que
havia passado a contar com o apoio do PMDB e PPB. Só em junho de 1998 a
proposta voltaria à Câmara, sendo aprovada com a idade mínima válida só para
servidores.
A idade mínima para o regime geral foi derrotada devido ao voto
“errado”, do deputado Antonio Kandir (PSDB-SP), que registrou abstenção,
impedindo que a proposta alcançasse os 308 votos necessários. Seu impacto
sentimos até hoje como uma bola de neve. A narrativa do governo está ancorada
na dimensão fiscal e seu impacto sobre as expectativas de direitos e na
eliminação de privilégios (em 1995 eram maiores, pois inexistia idade
mínima para servidores), o que mitiga seus custos políticos.
Por sua
centralidade, a reforma de Bolsonaro virou uma espécie de Plano Real.
Poderá ter a mesma sorte do plebiscito à “constituição econômica” sob FHC. Seu
calcanhar de aquiles é a base parlamentar volátil.
Marcus André Melo, jornal FSP