Primeiro desafio
de Bolsonaro é definir estratégia para conter déficit do sistema de
aposentadorias; há opções mais e menos ambiciosas de reforma.
Depois de idas e
vindas, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), e sua equipe parecem adotar
uma visão mais realista e pragmática da reforma da Previdência, decisiva para o
sucesso do próximo governo.
Bolsonaro indicou
que pretende aproveitar ao menos partes do projeto do governo Michel Temer
(MDB), cuja medida mais importante é a introdução de uma idade mínima para o
acesso aos benefícios, de 65 anos para homens e 62 para mulheres. O texto, que
tramita na Câmara dos Deputados, poderia avançar ainda neste ano.
O presidente
eleito desautorizou, assim, a insensatez do futuro chefe da Casa Civil, Onyx
Lorenzoni, que havia chamado o texto de “porcaria” —e até colocado em dúvida a existência
do déficit gigantesco do sistema previdenciário.
Já o anunciado
titular da pasta da Economia, Paulo Guedes, formulou na campanha planos mais
ambiciosos de reforma, que previam um regime de capitalização. A ideia, pela
qual os novos ingressantes contribuiriam para a própria aposentadoria, foi
encarada com ceticismo pelos especialistas, em razão dos custos envolvidos.
Entretanto avançaram
estudos em torno do tema, incluindo uma nova e radical proposta formulada pelos
economistas Armínio Fraga e Paulo Tafner e entregue há poucos dias à equipe de
Bolsonaro.
Segundo ela,
haveria uma renda básica mínima para idosos, um modelo de capitalização no
futuro e a unificação, em dez anos, dos regimes dos servidores públicos civis e
dos trabalhadores da iniciativa privada.
Em uma década,
haveria uma economia estimada em R$ 1,3 trilhão, quase o triplo da
proporcionada pelo projeto de Temer.
Não resta dúvida
de que os objetivos —incluindo ainda uma revisão da Previdência militar— são
meritórios. Eliminam-se privilégios do funcionalismo, institui-se a idade
mínima (sem diferenciar homens e mulheres) e atende-se a população pobre com um
benefício que independe de contribuição.
São muitos,
igualmente, os pontos capazes de despertar controvérsia e resistência política.
Haverá oposição feroz das categorias estatais; não se pode esperar consenso em
torno de uma renda básica inferior ao salário mínimo e da retirada de regras
previdenciárias da Constituição, também defendida por Fraga e Tafner.
Os obstáculos a
uma reforma essencial precisam ser enfrentados, mas convém que a estratégia
leve em conta a urgência e a viabilidade de cada passo. Mesmo as dificuldades
para fazer avançar o texto já desidratado da atual gestão estão longe de ser
desprezíveis.
O novo governo
passará por um teste crucial de sua capacidade de articulação, que afetará de
imediato a confiança dos agentes econômicos. Nesse cenário, alguma reforma é
melhor que nenhuma.
FOLHA DE SÃO PAULO, editorial