O risco da oclocracia


A oclocracia - versão patológica do poder popular, em contraste com a democracia, diz em artigo o presidente do Instituto Mises Brasil, Hélio Beltrão.

O principal risco político no Brasil atual não é o despotismo; é a oclocracia, o regime da turba. Segundo Políbio, que escreveu no século 2 a.C., a oclocracia é a versão patológica do poder popular, em contraste com a versão positiva, a democracia. A degradação da democracia para a oclocracia ocorre quando um agente ou poder político empareda demais poderes políticos com apoio da multidão impulsiva, mobilizada por um discurso simplista.

Após décadas esmagados pela corrupção avassaladora que beneficiou os donos do poder, os brasileiros exigiram uma nova direção. Optaram pela plataforma conservadora-liberal de Jair Bolsonaro, que possui mandato para enfrentar os interesses organizados e a criminalidade, bem como para reduzir drasticamente a intrusão estatal.

O presidente tem avançado com essa agenda, com iniciativas como a PEC 6 da Previdência, a MP 881 da Liberdade Econômica, o pacote anticrime do Moro e o decreto que regulamenta o porte de armas.

Ao longo da história mundial, o poder foi tipicamente centralizado em um pequeno grupo de pessoas, inclusive na monarquia e na democracia representativa. Devido à concentração de poder, sempre havia o risco do descenso ao despotismo. De forma a prevenir a tirania, distribuiu-se o poder político entre certos Poderes institucionalizados (Executivo, Legislativo e Judiciário) e entre os cidadãos (por meio do voto), cada qual dotado de natureza e interesse particulares e esforçando-se para preservar seu próprio espaço contra a tirania dos demais.

O presidente está desafiando essa lógica de simbiose espúria. Pela primeira vez, os termos são distintos, o que gera atrito e frustração, pois a aprovação pelo Congresso não é mais semiautomática. É preciso negociar com o Congresso como em países desenvolvidos: de forma republicana.

No entanto, a estratégia de aliados do governo é a confrontação com vias a enfraquecer o controle parlamentar. O discurso tem sido a demonização do Congresso e do STF, o antagonismo frontal ao centrão e a convocação da manifestação de 26/5 com o objetivo de repactuar as forças relativas entre os Poderes, por meio desses métodos típicos da oclocracia.

Ocorre que o Brasil é maduro institucionalmente, e compete ao Congresso aprovar ou não as mudanças legais. Ademais, o centrão é composto por cerca de 300 deputados. Essa repactuação oclocrática não prosperará.

Embora não se perceba risco para a reforma da Previdência com potência adequada, o Congresso pode, em reação à ofensiva do Executivo, assumir o protagonismo e lamentavelmente reprovar reformas importantes. Apoio a agenda liberal do presidente Bolsonaro, mas não comparecerei à manifestação oclocrática.



FOLHA DE SÃO PAULO
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