Especialistas alertam que mudanças em linha de financiamento têm
potencial de gerar um ‘ciclo de calote’ no setor
Na semana passada,
os bancos anunciaram mudanças no cheque especial, uma das
linhas mais caras do mercado financeiro. A partir de 1.º de julho, as
instituições entrarão em contato com os clientes que usarem mais de 15% do
limite da conta por 30 dias consecutivos. Elas oferecerão um financiamento
pessoal mais barato como alternativa. Ninguém será obrigado a aceitar a
proposta e também não haverá penalidade para quem permanecer no vermelho.
Em entrevista durante o anúncio do programa, o presidente da Federação
Brasileira dos Bancos (Febraban), Murilo Portugal, disse que a medida era um
avanço para o setor. “O uso mais adequado vai reduzir inadimplência do cheque e
a menor inadimplência vai permitir a redução do juro”, defendeu. Já para
especialistas, planejadores financeiros e representantes de associações de
direito do consumidor, as mudanças devem ter pouco impacto na vida das pessoas.
Pior, alguns temem que a alteração empurre o consumidor para uma situação de
superendividamento, que é o nome que se dá para quem tem acima de 50% da renda
comprometida com débitos e, não raramente, acaba assumindo mais de uma linha de
financiamento, dando início a uma espécie de "ciranda do calote".
“O receio é que o cliente que
entrou no cheque especial adquira um financiamento pessoal e, no mês seguinte,
ele retorne para o cheque especial. Em 30 dias ele transformou uma dívida em
duas e depois pode virar três ou quatro”, afirma a economista Paula Sauer,
especialista pela Planejar, entidade que certifica planejadores financeiros.
Em fevereiro, a taxa média de juros cobrada pelos bancos era de 324,1%
ao ano. Uma dívida de R$ 1 mil sobe para R$ 4.240 depois de um ano no cheque
especial. No crédito pessoal, essa dívida, depois de um ano, seria de R$ 1.330.
- Cheque especial vira capital de giro
Segundo a economista
do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, a
dificuldade de negociação relatada pelo engenheiro mecânico é frequente.
“Historicamente, é difícil negociar com os bancos”, diz. Ione conta de uma
pesquisa divulgada há um ano, em que o Idec entrevistou 1.815 devedores.
Desses, 53,6% disseram que já tentaram renegociar uma dívida e, deles, 39,2%
obtiveram sucesso. “A maioria conta que a instituição financeira não avaliou a
capacidade de pagamento do cliente”, diz.
As instituições
financeiras, por sua vez, afirmam que vêm investindo em ações para personalizar
os produtos de crédito. Cassio Shimidt, do Santander, diz que o plano é
investir em canais tecnológico. “Nós atendemos alguns milhões de contas, o Itaú
outros milhões e o Bradesco também. É completamente inviável que um gerente converse
com todos os seus clientes pessoalmente”, conta. Assim como a Caixa, o
Santander diz que não deve lançar um produto específico para a normatização do
cheque especial.
O Banco do Brasil e o
Bradesco afirmam que irão criar uma linha nova para substituir o cheque
especial a partir de 1.º de julho. Procurado, o Itaú ainda não divulgou qual
será a estratégia que vai adotar.
O ESTADO DE SÃO PAULO