“Para quatro horas por dia, seis vezes por
mês, uma empresa oferece salário de R$ 4,81 por hora. Com essa carga horária, o
salário mensal chegaria a R$ 115,44. A contribuição à Previdência paga
diretamente pela empresa à Receita seria de R$ 23,09. A contribuição mínima
exigida pelo INSS, porém, é de R$ 187,40. Para se adequar à regra da Receita, portanto,
o empregado precisaria pagar R$ 164,31. Ou seja, mais que o próprio salário”
João Badari e Gustavo Hoffman (advogados
do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados)
Está em vigor, desde novembro de 2017, a chamada
reforma trabalhista que alterou diversos artigos da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) e também um sério reflexo para os cofres da Previdência Social
brasileira. Embora o governo federal alegue déficit no sistema previdenciário
brasileiro, a reforma trabalhista trouxe ao INSS significativos decréscimos
arrecadatórios, e citamos aqui o problema do trabalhador intermitente, que em
muitos casos receberá pelo seu trabalho mensal uma remuneração inferior a um
salário mínimo, afetando não apenas a arrecadação da autarquia previdenciária,
como também a possibilidade de no futuro se aposentar, pois caso não
complemente o valor este não contará como carência.
Entre as principais mudanças está a exclusão dos
prêmios da remuneração e, com isso, da base de cálculo da contribuição
previdenciária. Nas empresas em que o funcionário recebe um salário pequeno e
fixo, porém com majoração relacionada a suas vendas, elas não irão verter tais
reflexos nos salários de contribuição do empregado. A reforma foi clara em
excluir tais valores da remuneração dos empregados, versando que “não
constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e
previdenciária”.
Além disso, impôs a modificação do “salário
acrescido de comissões” para o “salário acrescido de prêmios”, trazendo com
isso a intenção de diminuir o alto valor das contribuições previdenciárias
incidentes sobre os pagamentos mensais.
Vale ressaltar o impacto remuneratório aos cofres
da União na forma de negociação da participação nos lucros ou resultados da
empresa. O artigo 3º da lei 10.101/00 prevê: “A participação de que trata o
art. 2º não substitui ou complementa a remuneração devida a qualquer empregado,
nem constitui base de incidência de qualquer encargo trabalhista, não se lhe
aplicando o princípio da habitualidade”. Porém, o artigo 2º exige que a
participação seja “objeto de negociação entre a empresa e seus empregados”,
através de acordo ou convenção coletiva.
A reforma trabalhista também prevê que empregados
com curso superior e remuneração acima do dobro do teto pago pelo INSS, poderão
negociar acordos de PLR diretamente com os seus empregadores. Acredita-se, com
isso, que os bônus, anteriormente pagos com incidência de contribuições
previdenciárias, passem a ser pagos a título de PLR, já que os executivos de
alto escalão poderão negociar diretamente com as empresas as metas e valores, o
que certamente também produziria uma diminuição na arrecadação.
O texto da reforma também criou duas novas
modalidades de contrato de trabalho que, dentre outras peculiaridades, irão
diminuir as contribuições dos trabalhadores para a Previdência: o trabalho
intermitente, onde o empregado pode ser contratado para trabalhar de forma não
contínua, com alternância de períodos do trabalho a ser exercido pelo
empregado, independentemente das atividades exercidas pelo empregador e
trabalhador (excetuados os aeronautas, dado que estes possuem uma legislação
própria) e; a terceirização de todas as atividades da empresa (quando anteriormente
apenas a atividade-meio poderia ser terceirizada).
A Receita Federal trouxe rapidamente as regras para
o recolhimento da contribuição previdenciária dos trabalhadores intermitentes,
cujo rendimento mensal ficar abaixo do salário mínimo. Como no contrato
intermitente o empregado atua apenas quando é convocado, o salário varia
conforme o número de horas ou dias trabalhados. Pela lei, deve-se receber, pelo
menos, valor proporcional ao salário mínimo pela hora. Portanto, muitos
trabalhadores receberão menos de um salário mínimo por mês, e poderão pagar a
diferença entre a contribuição incidente sobre seu rendimento mensal e o mínimo
exigido pela Previdência Social.
A regra fará com que, no limite, alguns
trabalhadores precisem pagar para trabalhar. Citamos como exemplo: Para quatro
horas por dia, seis vezes por mês, uma empresa oferece salário de R$ 4,81 por
hora. Com essa carga horária, o salário mensal chegaria a R$ 115,44. A
contribuição à Previdência paga diretamente pela empresa à Receita seria de R$ 23,09.
A contribuição mínima exigida pelo INSS, porém, é de R$ 187,40. Para se adequar
à regra da Receita, portanto, o empregado precisaria pagar R$ 164,31. Ou seja,
mais que o próprio salário.
Quem não recolher esse valor adicional por conta
própria não terá acesso à aposentadoria nem a benefícios por incapacidade.
O recolhimento será com base na alíquota de 8%
sobre a diferença entre o que recebe e o salário mínimo até o dia 20 do mês
seguinte ao salário. Nosso posicionamento é que a reforma trabalhista apenas
formalizou o “bico”, ao invés de proteger o trabalhador.
Cumpre ainda relembrar que é notório que
trabalhador terceirizado ganha, em média, 25% menos do que um trabalhador com
contrato direto (além de trabalharem diariamente por mais tempo do que estes,
segundo fontes responsáveis pelo estudo do setor).
Acerca da inovação jurídica trazida por esta
modalidade de contratação, o empregado intermitente pode ficar legalmente
desamparado, em especial quanto a, eventualmente, o trabalhador em questão se
acidentar durante o desempenho de suas atividades. Atualmente, é possível de
haver uma interpretação no sentido de que o empregado intermitente deverá se
auto sustentar durante os 15 primeiros dias de afastamento, cabendo ao INSS
amparar tal empregado somente após esse período. Entretanto, não é
possível admitir que o empregador se isente de qualquer responsabilidade
até a seguridade social fazer o seu papel – isso seria referendar uma
ilegalidade, em especial quando o tomador de serviço não deu as condições necessárias
para o empregado exercer as suas atividades com a devida segurança.
O empregado intermitente não se confunde com o
autônomo, que por sua vez, sem qualquer tipo de subordinação a quem quer que
seja em suas atividades profissionais, por sua conta, assume o risco de restar
afastado e deixar de receber qualquer tipo de auxílio.
Importante observar que o trabalho desempenhado de
forma intermitente não deixa de ser uma relação em que há uma hipossuficiência
do empregado em comparação ao seu empregador, o que por sua vez nos leva a
entender que o contratante não pode se esquivar dos ônus inerentes as demais
modalidades de contratos de trabalho previstas na nossa legislação, inclusive
dado que cumpre ao Estado, em razão das garantias previstas na Constituição,
balancear toda e qualquer disparidade havida nas relações laborais.
A MP, editada após a vigência da reforma, criou um
sistema de contribuição complementar para esses trabalhadores. Se a soma das
remunerações do mês for menor que o mínimo, o empregado terá que fazer um
recolhimento extra, de 8% sobre essa diferença. Se o total recebido foi R$ 800,
por exemplo, o trabalhador terá que recolher ao INSS 8% sobre o restante. Se
não contribuir, o mês trabalhado não contará para cálculo da aposentadoria nem
para a carência de acesso aos benefícios. Para receber o auxílio doença, são necessárias
pelo menos 12 contribuições.
Portanto, não é certo que esses novos
trabalhadores, submetidos a essas novas modalidades de contratos de trabalho,
irão contribuir para a Previdência – tampouco os seus respectivos empregadores.
Assim, é preciso ficar atento para que nenhum direito do trabalhador seja
ferido pelas novas regras e também aumentar a fiscalização para garantir o
acesso aos benefícios previdenciários
Blog Correio Braziliense