Autores de estudo apontam que parte da resposta
envolve o que eles chamam de autoconfiança excessiva
Na quarta
temporada da série “Parks and Recreation”, Paul Rudd faz um empresário rico
chamado Bobby Newport que se candidata a vereador porque está à procura de alguma
coisa “fácil” a fazer. Durante um debate, alguém lhe pergunta o que ele propõe
para resolver os problemas da cidade. Ele responde: “Não faço ideia”. Mesmo
assim, a plateia o adora, para a grande frustração de sua rival, Leslie Knope.
É divertido porque
é algo que não nos é estranho. Mais dia, menos dia, todos nós podemos topar com
um Bobby Newport da vida. Por que será que o fato de ter sido criadas como membros da elite faz as pessoas sentir que
são qualificadas para tarefas, mesmo que não tenham a menor experiência? Essa
foi uma das perguntas que inspirou um estudo publicado no revista
científica Journal of Personality and Social Psychology.
Os autores do
estudo sugerem que parte da resposta envolve o que eles chamam de
“autoconfiança excessiva”. Em vários experimentos, eles constataram que pessoas
de classe social mais alta têm probabilidade maior de ter uma visão inflada de
suas habilidades, mesmo quando testes comprovam que elas são apenas medianas.
Eles descobriram que essa autoconfiança indevida é interpretada por estranhos
como competência.
As descobertas
ressaltam mais um modo pelo qual a riqueza familiar e o nível de instrução dos
pais –dois entre uma série de fatores usados no estudo para avaliar a classe
social dos participantes —afetam a experiência de vida das pessoas no mundo.
“Com essa
pesquisa, agora temos razão para acreditar que o fato de ter nascido numa
classe social mais alta confere mais uma vantagem às pessoas”, comentou a
professora de administração Jessica A. Kennedy, da Universidade Vanderbilt, que
não participou do estudo.
Estudar classes
sociais é complicado. Para começar, há a questão das definições. “A maioria das
pessoas diria que é da classe média”, explicou Peter Belmi, professor da Escola
Darden de Administração da Universidade da Virginia e autor principal do
estudo. Mas como isso é possível?
Mesmo
pesquisadores especializados na questão das classes sociais têm dificuldade em
chegar a uma visão comum sobre o peso a ser atribuído à renda, riqueza
familiar, prestígio profissional e outros fatores.
Estudos anteriores
concluíram que muitas pessoas só precisam de 60 segundos para estimar
corretamente a faixa de renda de um desconhecido e o grau de instrução de sua
mãe. Mas não se sabe exatamente ao que elas estão reagindo quando fazem essa
estimativa, disse Rebecca Carey, que estuda classe social e identidade na
Escola Kellog de Administração da Universidade Northwestern.
O estudo foi
composto de quatro experimentos. A classe social foi definida de várias
maneiras cada vez.
O primeiro
experimento envolveu 150 mil pequenos e microempresários no México que pediram
empréstimos bancários. Além de informar sua renda e seu grau de instrução,
tiveram que apontar para um degrau numa escada para representar o lugar que
ocupam no país, relativo a outras pessoas.
Como parte do
processo de contrair o empréstimo, eles fizeram um teste de memória (a tarefa
na vida real foi projetada para tentar prever se a pessoa saldaria a dívida).
Também foi pedido aos participantes que estimassem como se saíram em comparação
com os outros. As pessoas de classe mais alta de modo geral tiveram desempenho
melhor que as outras –mas não tão melhor quando supuseram, descobriram os
pesquisadores.
A disparidade
entre o desempenho estimado das pessoas de classe mais alta e seu desempenho
real foi mais marcante em um estudo posterior envolvendo 230 alunos da
Universidade da Virgínia.
Desta vez a classe
social foi medida pela avaliação feita pelos estudantes de como eles se
enxergam em relação a outras pessoas nos EUA, da renda de seus pais e do grau
de instrução de seus pais. Os estudantes de classe sociais mais altas não
superaram seus pares em um exercício de conhecimentos gerais, mas acharam que
os haviam superado.
Para tentar
entender as implicações da autoconfiança excessiva, os pesquisadores montaram
uma falsa entrevista de emprego. As mesmas perguntas foram feitas a todos os
estudantes, e eles foram filmados respondendo. Um grupo de desconhecidos
assistiu aos vídeos e avaliou os candidatos. Na maioria dos casos o comitê de
seleção escolheu os mesmos candidatos que haviam superestimado seus
conhecimentos gerais. A autoconfiança excessiva foi interpretada erroneamente
como sendo competência.
Rebecca Carey não
estava convencida de quanto o experimento da falsa entrevista de emprego prova
sobre a vida real. E tinha algumas ressalvas quanto às descobertas feitas nos
primeiros quatro experimentos. Ela achou que os experimentos se basearam
excessivamente na visão dos próprios participantes sobre sua posição de classe.
“Mas o que os
experimentos demonstram de modo muito consistente é que classe social alta está
ligada à autoconfiança excessiva”, ela disse. Outros estudos já demonstraram
que pessoas com excesso de autoconfiança geralmente são vistas como sendo mais
competentes. Carey sugeriu que a razão pode ser que “em um contexto de classe
mais baixa, o custo a pagar é mais alto quando você se engana ou comete um
erro”.
E nem todas as
classes sociais valorizam a ideia de “fingir até que os outros acreditem em
você” (fake it until you make it), disse Belmi. “Eu fui
criado nas Filipinas com a ideia de que, se você não tem nada a dizer, fique
quieto e ouça.”
Os pesquisadores
esperam que a lição a tirar do estudo é que não devemos tentar ser
autoconfiantes demais. Guerras, quedas catastróficas das bolsas de valores e
muitas outras crises podem ser atribuídas ao excesso de autoconfiança,
disseram. Então como gerentes, empregadores, eleitores e clientes podem deixar
de sobrevalorizar a classe social e evitar ser ludibriados por pessoas ricas,
mas incompetentes?
Kennedy se sentiu
encorajada ao descobrir que, se você mostra às pessoas verdades reais sobre
outra pessoa, a consideração a mais dada às pessoas com autoconfiança excessiva
muitas vezes desaparece.
“Precisamos punir
com mais frequência o comportamento autoconfiante em excesso”, ela concluiu.
The New York Times, jornal FSP, tradução Clara Allain