O ensino superior precisa de um plano no longo prazo para o aprendizado virtual


O imenso impacto da Covid-19 nos sistemas educacionais do mundo é diferente de tudo o que já testemunhamos na era pós-guerra. Mais de 1,6 bilhão de estudantes foram afetados, representando mais de 91% de todos os alunos do mundo. Como já era previsto, a demanda por aprendizado on-line disparou. Nos últimos 30 dias, houve 10,3 milhões de matrículas em cursos da Coursera, um aumento de 644% em relação ao mesmo período do ano passado.

Incapazes de oferecer ensino presencial, as universidades se esforçaram para permitir a continuidade acadêmica por meio de “ensino remoto de emergência”. Atualmente, essas mesmas instituições se concentram (e com razão) em garantir aos alunos a continuidade acadêmica e, em muitos casos, isso significa incorporar aos seus próprios currículos materiais on-line existentes de outras instituições renomadas e confiáveis. As faculdades podem consultar um vasto conjunto de recursos de ensino remoto disponibilizados pelas principais universidades no Creative Commons, por exemplo. Ou vejamos o caso da Duke Kunshan University na China, uma parceria entre a Duke University e a Wuhan University: ao lidar precocemente com a crise da Covid-19, a instituição passou a oferecer ensino remoto utilizando o Coursera for Campus. Essas medidas, embora eficazes, são paliativos.

À medida que a intensidade da emergência diminui, mas ainda não voltamos ao nosso normal, as instituições de ensino superior se veem forçadas a fazer mais. Há grandes chances de que o aprendizado virtual — de alguma forma — precise fazer parte da educação no futuro próximo. Instituições de ensino superior precisam de um plano de resposta que vá além das ações imediatas. Elas precisam se preparar para um período intermediário de transição e começar a se estruturar para sobreviver no futuro.

Construindo ecossistemas maduros de aprendizado digital

A evolução no ecossistema do ensino superior ocorre por meio de “equilíbrio pontuado”: longos períodos de mudança relativamente lenta intercalados com momentos ocasionais de rápida adaptação. A pandemia atual é um momento de pontuação. Os educadores, diante de uma urgência sem precedentes, estão trabalhando arduamente para restabelecer o ensino e a aprendizagem utilizando tecnologia, inovação e colaboração.

As universidades querem — e precisam — fornecer seu próprio conteúdo on-line criado por seus próprios professores. Mas muitos deles nunca criaram ou ministraram um curso on-line. As universidades precisam trabalhar com o corpo docente para tomar decisões rápidas: quais disciplinas devem ser reorganizadas para uso on-line e qual conteúdo pode ser transferido diretamente sem que haja perda significativa da experiência? Os professores precisarão repensar os seminários, aprimorando a maneira como lecionam on-line. Por exemplo, uma aula expositiva de duas horas pode, na verdade, consistir em diversas atividades em vez de um vídeo rígido e contínuo. Por fim, à medida que as universidades começam a fazer a transição para uma infraestrutura digital mais robusta durante esse período – a virtualização, – os projetos guiados e a gamificação permitirão soluções de aprendizado on-line que vão além da videoconferência. Conforme as universidades desenvolvem suas próprias competências digitais, o que começou como um plano para uma crise de curto prazo pode muito bem se tornar uma transformação digital duradoura do ensino superior.

As universidades estão em diferentes estágios da transformação digital. O que separa os novatos no mundo digital das instituições já avançadas nesse segmento? E que medidas os líderes educacionais precisam tomar para que sua organização avance? Desenvolvemos a estrutura que se segue, para ajudar as universidades a identificar onde o aprendizado digital se encaixa em seu ecossistema educacional e, com esse conhecimento, transformar seu ensino e aprendizado em resposta à Covid-19. O guia se baseia em nossas experiências coletivas que lideram a estratégia digital na University of Michigan, Imperial College London, Duke University e Coursera.

Novos no mundo digital
As instituições que não possuem os pré-requisitos necessários para o aprendizado on-line e o ensino remoto enfrentam um desafio intimidador. Essas instituições caracterizam-se por ter menos de 3% de seus cursos disponíveis on-line, nenhuma experiência no ensino on-line e não ter alocado nenhuma equipe ou orçamento para explorar ou expandir conteúdos on-line. Mas não se trata apenas dos professores e da administração. Nessas instituições, estudantes e professores têm acesso limitado ou nenhum acesso a software (ferramentas de colaboração, videoconferência) e hardware (laptops, câmeras). Eles possuem pouca ou nenhuma conexão com a Internet. Podem até contar com a conexão móvel e WiFi, mas precisam lidar com o alto custo de dados.

O estado atual das opções de tecnologia e plataforma facilita a rápida ação das universidades nessa posição. Se a crise do coronavírus tivesse ocorrido há dez anos atrás, ela teria mutilado essas instituições. Agora, temos amplo acesso em banda larga, ferramentas de comunicação confiáveis, soluções de videoconferência que são fáceis de usar e disponibilidade generalizada de smartphones. As instituições podem obter licenças de forma fácil e econômica para os alunos, e os professores podem iniciar interações on-line imediatamente. Manter o corpo docente e os alunos à vontade com o meio é o primeiro passo — se possível, procure ajuda de instituições do mesmo ramo, consultores e empresas para treinar os envolvidos sobre o que significa lecionar em um ambiente on-line de forma efetiva.

Adeptos em ascensão
São universidades que já testaram o aprendizado on-line e obtiveram sucesso, com os devidos recursos financeiros para tal. Já possuem ferramentas básicas de comunicação e colaboração, com alguns departamentos oferecendo cursos on-line. Professores e instrutores já conhecem os benefícios e aceitam completamente o meio. Agora, essas instituições precisam acelerar sua jornada de transformação digital com intenção institucional e uma força-tarefa dedicada à formulação de uma estratégia on-line.

Elas devem aproveitar os primeiros adeptos — em cada departamento, no corpo docente e entre os funcionários — para que atuem como mentores e principais arquitetos de sua estratégia. Isso significa capacitá-los com autoridade, recursos e liberdade para tomar decisões que envolvem adotar soluções prontas para uso. Elas também precisarão acelerar a produção de cursos on-line e, onde quer que seja necessário, suplementar com conteúdo aberto e amplamente disponível de outras instituições. Essas instituições podem reduzir a necessidade de recursos humanos ao empregarem soluções de aprendizado por máquina, como CourseMatch para mapear os cursos mais relevantes para o currículo. As universidades podem começar a explorar laboratórios virtuais e itinerantes para disciplinas que exigem solução prática de problemas, dada a incerteza quanto ao acesso a laboratórios físicos nos próximos meses. Por fim, precisarão atualizar rapidamente a infraestrutura de software e hardware para aprendizado dentro e fora do campus, incluindo planos alternativos para estudantes que não possuem uma conexão confiável.

Instituições avançadas
As instituições avançadas são as que possuem infraestrutura técnica robusta, extenso catálogo de conteúdo digital e um corpo docente especializado em ensino on-line. Elas geralmente têm centros exclusivos de inovação acadêmica (como este na University of Michigan), impulsionando sua estratégia digital. O que essas instituições estão fazendo no momento é ampliar a infraestrutura para todos os programas e utilizar materiais de cursos on-line, como livros didáticos digitais desenvolvidos por seus próprios instrutores ou pela integração de cursos produzidos por outras instituições.

Desta forma, as instituições avançadas devem acelerar as inovações pedagógicas para atender comunidades on-line diversas, com diferentes contextos socioeconômicos e aumentar o compromisso em criar um ambiente inclusivo para o aprendizado, promovendo discussões em grupo, painéis de discussão ao vivo e apresentações de alunos. Fora da sala de aula virtual, o engajamento da comunidade pode ser fortalecido por meio de anotações coletivas, grupos de estudo, café e happy hours virtuais e eventos de transmissão ao vivo. Instituições avançadas estão mais bem posicionadas para explorar tecnologias imersivas, como Realidade Aumentada (RA) e Realidade Virtual (RV), em áreas como medicina e engenharia, como está fazendo a Imperial College London. Essas universidades têm condições de fornecer as principais contribuições ao ecossistema global de ensino superior, com seus conhecimentos e conteúdo.

Transformação digital agora significa mitigação de riscos

Anteriormente, quando as instituições de ensino superior pensavam em transformação digital, o objetivo era obter mais acesso, alcance global, instrução personalizada e melhorias rápidas nas práticas pedagógicas. Agora, à medida que as instituições contemplam a possibilidade de os estudantes não poderem adentrar o campus da forma tradicional por longos períodos de tempo, a mitigação de riscos se torna um fator igualmente importante da transformação digital e permitirá que as universidades continuem a matricular — e atender — alunos. As universidades que desenvolvem recursos digitais terão a resiliência necessária para enfrentar qualquer crise, seja um surto prolongado de Covid-19 ou uma calamidade futura.

Autores:

James DeVaney é vice-reitor associado de inovação acadêmica da University of Michigan e diretor-executivo fundador do Center for Academic Innovation

Gideon Shimshon é diretor de aprendizado e inovação digital da Imperial College London.

Matthew Rascoff é vice-reitor associado de educação e inovação digital da Duke University.

Jeff Maggioncalda é CEO da Coursera.

 

Fonte: Newsletter Harvard Business Review Brasil


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