'Inteligência' de 'smart cities' precisa se distribuir entre seus cidadãos

Songdo, cidade inteligente construída na Coreia do Sul

Uma das ideias mais influentes dos últimos anos é o conceito de "cidades inteligentes" ou "smart cities". Por ele, as cidades ficarão cada vez mais conectadas e passarão a usar a internet e outras tecnologias para administrar escolas, iluminação pública, transporte, hospitais, tratamento de água, coleta de lixo, segurança pública e outras atividades.

Em um contexto de enorme frustração com a qualidade dos serviços, como é o caso do Brasil, essa ideia repercute com mais força. Na campanha eleitoral de 2016, pulularam candidatos querendo se pintar de "modernos" dizendo que a tecnologia seria um dos elementos centrais das suas administrações.

Ninguém tem dúvidas de que a tecnologia será incontornável como forma de melhorar os serviços públicos. No entanto, sozinha ela não garante nada. Ao contrário. A mesma tecnologia que é usada para melhorar serviços urbanos pode ser usada para vigiar cidadãos e violar a privacidade. Ou, ainda, para aumentar desigualdades existentes, ou eximir gestores públicos matreiros da responsabilidade de cuidar de pessoas, e não só de infraestrutura.

É preciso aceitar que a ideia de "smart cities" desperta não só admiração mas críticas e preocupações. Uma diz que o termo "smart" precisa ser lido como um acrônimo para cidades que são "simplistas", "mecanicistas", "ahistóricas", "reducionistas" e "tautológicas". Em outras palavras, cidades que privilegiam infraestruturas impessoais e descuidam da complexidade dos modos de vida que compõem o tecido urbano.

Outra crítica é que, tal como crianças seguindo o flautista de Hamelin, gestores municipais podem facilmente se tornar reféns do chamado "complexo industrial da inteligência urbana". O termo foi cunhado pelo urbanista Dan Hill para descrever alguns serviços globais que ambicionam fornecer boa parte da "inteligência" das cidades. Esses atores, é claro, são importantes. Mas ficar dependente deles não é boa ideia.

Por isso é preciso incluir outra dimensão nesse conceito: o de cidadãos inteligentes. A "inteligência" da cidade precisa se distribuir entre as pessoas que vivem nela. Não pode ficar centralizada atuando só de cima para baixo. Boa parte da infraestrutura para distribuir a inteligência urbana já existe: são os smartphones que carregamos no bolso.

A partir deles é possível caminhar para um outro conceito, o de "cidade responsiva", que responde aos anseios de quem vive nela. O termo foi criado pela professora de Harvard Susan Crawford. Na visão dela, a cidade do futuro é aquela em que as decisões são tomadas de forma compartilhada de modo permanente com seus cidadãos. Os mecanismos para fazer isso já existem.

Em outras palavras, em vez de simples metrificação, empoderamento e participação. Faz sentido. Não há nada mais vulgar no plano da cidade do que decisões e estruturas claramente desconectadas das pessoas que nela habitam.

Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil.

Fonte: coluna jornal FSP

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