O poder e o progresso na era da inteligência
artificial
- Empresas que escolherem amplificar o capital humano em vez de
substituí-lo farão a diferença
- IA generativa redefine tarefas e papéis, mas também desafia o
significado do trabalho
A inteligência artificial deixou de ser
promessa para se tornar rotina nas grandes empresas. Segundo a McKinsey, 78%
das organizações globais já a utilizam em pelo menos uma função de negócio.
Os
setores de tecnologia, telecomunicações, finanças e
varejo lideram essa adoção, com taxas entre 30% e 40% de forma ativa, além de
testarem pilotos ou protótipos.
Após
30 anos de dedicação à economia e ao "policy making",
fiz uma das escolhas mais instigantes da minha vida profissional: vir para
Wharton, escola de negócios da Universidade da Pensilvânia, estudar as novas
fronteiras da gestão e da liderança.
Um dos
temas que mais me chamaram a atenção até agora foi o uso e a implementação da
inteligência artificial nas empresas, uma abordagem que combina tecnologia,
estratégia e psicologia do trabalho.
Meu desafio tem sido conectar essa visão
organizacional ao que a economia ensina sobre produtividade, progresso e
desigualdade.
Como nos mostrou o prof. Stefano Puntoni, embora
ampla, a adoção da inteligência artificial ainda não parece acompanhada de
métricas claras.
Ao perguntar a executivos quantos monitoravam o retorno sobre
o investimento em GenAI, quase ninguém respondeu.
A corrida pela eficiência é
real; o aprendizado sobre seus efeitos, nem tanto.
Esse descompasso revela um ponto central: as
organizações decidirão se querem usar a tecnologia para substituir pessoas ou
para ampliar suas capacidades.
A primeira opção gera ganhos rápidos e
superficiais; a segunda cria inovação duradoura e confiança.
Como lembram Daron Acemoglu e Simon Johnson
em "Poder e Progresso", o avanço
tecnológico nunca foi automaticamente sinônimo de prosperidade.
Durante mil
anos de história, o poder econômico se reorganizou em torno das máquinas. E nem
sempre em favor da maioria.
Quando a tecnologia serve para concentrar controle,
ela amplia desigualdades; quando é desenhada para distribuir oportunidades, ela
promove bem-estar e crescimento.
O progresso não é linear nem neutro: é produto
de decisões humanas e institucionais.
Hoje, essa escolha se repete. A IA generativa
redefine tarefas e papéis, mas também desafia o significado do trabalho. Ao
automatizar o que antes expressava o talento humano, pode corroer o senso de
competência.
Ao impor processos padronizados, reduz a autonomia. E, ao
substituir interações humanas por algoritmos, fragiliza o pertencimento.
São três dimensões que, segundo a psicologia do
trabalho, sustentam o bem-estar e a produtividade. A IA pode encurtar o árduo
percurso do aprendizado, aquele que desenvolve instinto, julgamento e
experiência.
A eficiência não deve substituir o amadurecimento.
As
evidências são eloquentes. Pesquisas de Puntoni e outros autores mostram que
trabalhadores avaliados por algoritmos demonstram menos empatia e disposição
para ajudar colegas.
Segundo testes estatísticos, consumidores, por sua vez,
valorizam mais produtos quando percebem participação humana em sua criação.
A
tecnologia é a mesma; o design da interação é que muda tudo. As escolhas sobre
IA acontecem em várias camadas de decisão —das equipes aos conselhos, dos
algoritmos à regulação. Torná-las explícitas é essencial para que a cultura se
traduza em padrões éticos, e em métricas.
Mas
a IA também pode abrir um novo ciclo de oportunidades. Como nos mostrou o prof.
Christian Terwiesch, a IA generativa pode transformar o próprio processo de
inovação.
Em vez de restringir decisões a poucos, ela permite que mais pessoas
criem, testem e proponham soluções apoiados por IA; o que ele chama de
"torneios de inovação". O papel humano, nesse contexto, seria o de
curador, não de executor.
A
GenAI ajuda a criar mais e melhores ideias, e mais rápido, mas continua
precisando de gente para dar direção, propósito e juízo de valor.
Empresas que
souberem equilibrar essas forças entre a velocidade da máquina e o
discernimento humano abrirão novos horizontes de vantagem competitiva.
O
futuro da inovação, portanto, não pertence apenas à tecnologia, mas à cultura
que a cerca. As companhias que combinarem processos estruturados de
experimentação com liberdade para imaginar criarão não só produtos mas
significado.
E
talvez esta seja a verdadeira promessa da IA: devolver às pessoas o tempo e a
energia de que elas precisam para pensar, criar e reinventar o que o progresso
realmente deve ser.
O avanço é veloz, e políticas de transição justa tornam-se
urgentes, inclusive para apoiar quem será mais afetado e criar condições de
reaprendizagem contínua.
Mas,
em última instância, essas escolhas não se farão no vácuo. Elas serão moldadas
pelos incentivos econômicos, pelas políticas públicas e pela forma como os
mercados valorizam —ou não— o investimento em pessoas.
Se
o sistema recompensar apenas ganhos de produtividade de curto prazo, o uso da
IA tenderá à substituição e à concentração.
Se, ao contrário, premiar a criação
de valor humano e a difusão do conhecimento, o avanço tecnológico poderá se
tornar um novo motor de prosperidade compartilhada.
O equilíbrio econômico
dessa nova era estará em unir produtividade com desenvolvimento humano;
eficiência com aprendizado.
O
desafio, portanto, não é apenas das empresas, mas também da regulação: fazer
com que o progresso técnico caminhe ao lado do progresso econômico e social.
A
inteligência artificial pode gerar abundância ou desigualdade. O que
determinará o resultado não é o algoritmo, mas o conjunto de escolhas,
incentivos e valores construídos em torno dele.
ANA PAULA VESCOVI - economista-chefe do Santander Brasil