Não há combate à corrupção efetivo no mundo de hoje sem abertura de dados


É preciso tornar as informações cada vez mais acessíveis à fiscalização pública

Na semana passada, por meio de decreto presidencial, o governo federal ampliou enormemente a possibilidade de ocultar dados da administração pública, tornando-os confidenciais. 

Antes da mudança, basicamente só o primeiro escalão —presidente, vice, ministros— podia classificar dados como sigilosos, retirando-os do acesso público. Agora, outras modalidades de servidores subordinados podem fazer o mesmo. 

O problema é que esses servidores não são eleitos. Com isso, poderão atuar como escudo político para o primeiro escalão, levando à ocultação de dados que possam ser comprometedores ou inconvenientes.

Essa medida contraria diretamente uma das mais bem-sucedidas iniciativas do Brasil no plano internacional, a Open Government Partnership (OGP, Parceria para Governo Aberto). A iniciativa foi lançada em 2011 por meio de uma aliança entre o Brasil e os Estados Unidos para promover o compromisso de ampliar o livre acesso a dados governamentais. 

De pronto, outros 73 países se juntaram à iniciativa, incluindo Alemanha, Argentina, Austrália, Canadá, França, Noruega e Portugal. Todos se comprometeram com uma obrigação essencial: tornar os dados públicos cada vez mais acessíveis à fiscalização pública.

A primeira obrigação listada na Parceria para Governo Aberto é justamente o combate à corrupção. O texto diz o seguinte: “Corrupção é o abuso do poder para ganhos privados.

Estudos mostram que a abertura de dados governamentais para o público ajuda a reduzir fraudes e desperdício e leva a melhores serviços para o cidadão”. É curioso que o Brasil, fundador da iniciativa, agora passe a caminhar em sentido contrário a ela.

Um dos elementos da Parceria para Governo Aberto foi justamente a aprovação no país da Lei de Acesso à Informação, em 2011. Vale lembrar que o Brasil levou muito tempo para ter uma lei como essa. Nos EUA, legislações do tipo existem desde a década de 1970. 

Só que apenas legislar não é suficiente. É preciso implementar a lei na prática, que é um dos principais motes da OGP. É nesse quesito que o Brasil agora recua, para a perplexidade dos 73 outros países que seguiram a iniciativa criada por nós.

Como disse o juiz da Suprema Corte dos EUA Louis Brandeis, em 1914: “A publicidade é com justiça apontada como remédio para doenças de cunho social ou profissional. A luz do sol é o melhor dos desinfetantes”. 

Em outras palavras, não há combate à corrupção efetivo no mundo contemporâneo sem abertura de dados. A complexidade é tão grande que a tarefa de fiscalização precisa não só ficar a cargo dos órgãos de controle habituais mas também ser compartilhada com a sociedade como um todo.

O exemplo de Brumadinho é persuasivo nesse sentido. Claramente a supervisão do poder público falhou miseravelmente, uma vez que uma tragédia dessa magnitude ocorreu.

Nesse sentido, dados governamentais abertos funcionam como insumo para a criação de novos modelos de análise e de fiscalização que permitem o envolvimento da inteligência da própria sociedade na proteção dos bens comuns. 

Em vez de promover mais sigilo, o que precisamos é fortalecer os compromissos que nós mesmos propusemos internacionalmente na Parceria para Dados Abertos.

Ronaldo Lemos  - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Fonte: coluna jornal FSP

 

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