A pizza não chega em casa por conta própria


Não são drones nem robôs que entregam os lanches, e sim pessoas que, como todos, têm problemas de saúde, dificuldades para pagar as contas, e que se submetem à pressão dos prazos cada vez mais curtos

Uma pizzaria ou hamburgueria, restaurante chinês, libanês ou japonês (dentre outros) com bons entregadores, que respeitem o trânsito e a sinalização, pode se distinguir positivamente da concorrência. Os prazos e as más condições do trabalho dos motoboys, somados à falta de treinamento e preparo, assustam os moradores dos bairros de São Paulo, pois veículos andam na contramão, cruzam o sinal vermelho ou avançam sobre os pedestres.

É um preço muito alto a pagar pelo conforto de receber, em alguns minutos, alimentos e bebidas em casa. Mas o que o consumidor pode fazer? Inicialmente, deixar de comprar comida de locais cujos entregadores cometam graves abusos no trânsito. E informar ao dono do estabelecimento a razão pela qual não será mais cliente daquele estabelecimento.

Os problemas se multiplicam nesta área. Recentemente, um motoboy teve um acidente vascular cerebral (AVC) e morreu depois de esperar duas horas por atendimento. Para começo de conversa, ele nem deveria ser escalado para trabalhar nestas condições. E o atendimento teria de ser rápido para que houvesse mais chance de sobreviver.

Demorar duas horas para atendê-lo é desumano, e deveria nos preocupar mais, pois estes serviços só existem porque os utilizamos. Não são drones nem robôs que entregam os lanches, e sim pessoas que, como todos, têm problemas de saúde, dificuldades para pagar as contas, e que se submetem à pressão dos prazos cada vez mais curtos.

É bem provável que pisem no acelerador, arrisquem mais a sua vida e a do próximo. Além disso, estão mais sujeitos a discussões e brigas no trânsito, provocadas por pilotar com muita pressa, às vezes sem iluminação, para não ser identificados.

Por outro lado, há que regulamentar, em nível nacional, a atividade dos motoboys. Definir, também por lei única, federal, questões como exames periódicos de saúde, treinamento, testes periódicos de direção, carga horária, forma de remuneração (que não pode ser atrelada somente ao tempo de entrega), direitos e as condições no local de trabalho.

Muitas vezes, por exemplo, os motofretistas não têm nem vaga para a moto. São obrigados a estacionar em locais proibidos ou perigosos.

No ano passado, os acidentes fatais com motociclistas aumentaram quase 18% em relação a 2017, na capital paulista. No Brasil, mais de 11 mil motociclistas morreram em um ano, de acordo com o Ministério da Saúde.

Mesmo que recebam orientação dos aplicativos de entrega para respeitar a legislação e utilizar equipamentos de segurança, os bônus por entregas rápidas são fortes atrativos que podem levar a abusos. E, em alguns lamentáveis casos, a ferimentos graves e mortes.

Como sempre é possível piorar um problema por aqui, li nesta Folha que um aplicativo colombiano de mototáxis funciona ilegalmente em São Paulo. Como vai ser, autoridades?
 

Maria Inês Dolci - advogada especialista em direitos do consumidor, foi coordenadora da Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor).

Fonte: coluna jornal FSP

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