Desafios jurídicos da previdência complementar


Realizou-se em São Paulo, nos dias 11 e 12 de agosto, o IX Encontro Nacional dos Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar. Nesse evento, juntamente com os ilustres colegas Flávio Martins Rodrigues e Roberto Messina, tive a honra de participar do painel “O futuro da previdência complementar: desafios jurídicos”, sob a coordenação do Superintendente Geral da Abrapp, Devanir Silva.

Conforme expus no referido debate, penso que há desafios jurídicos não apenas para o crescimento do setor de fundos de pensão, mas também para sua sobrevivência.

Entre os desafios para a preservação do já conquistado, citei a necessidade de reversão do fenômeno da crescente judicialização de conflitos. Embora os fundos de pensão tenham conseguido importantes vitórias judiciais nos últimos anos, como o reconhecimento da natureza civil do contrato previdenciário, a necessidade de prévio custeio para os benefícios e o respeito à autonomia do regime de previdência complementar, remanescem algumas questões de grande repercussão que precisam ser bem compreendidas pelo Poder Judiciário.

Precisamos criar novos mecanismos de diálogo, com a adoção de um sistema multiportas de resolução de controvérsias. O instituto da mediação parece ser um bom caminho.

Ainda no quesito da manutenção dos atuais planos de benefícios de previdência complementar, há que se destacar o avanço da tecnologia e seus reflexos para os fundos de pensão. Hoje há múltiplas formas de formação de poupança. Portanto, os fundos de pensão devem dar uma atenção especial para seus recursos tecnológicos de processamentos, controles e comunicação.

A era digital, possibilitando o acesso on line à informação, tem provocado a cultura do “autodiagnóstico”, ou da “autossuficiência”, fenômeno verificado não apenas no mundo do comércio eletrônico, mas também nos investimentos, na Medicina e no Direito. Com isso, as pessoas passam a se apropriar de um arsenal mínimo de dados e informações infinitamente superior ao padrão de alguns anos atrás. Dessa forma, caminhamos celeremente, de um lado, para a massificação impessoal de informações, inclusive as jurídicas. Por outro lado, em aparente contradição, haverá a necessidade de personalização do atendimento para questões mais complexas, tendo como ponto de partida um diagnóstico básico já realizado pelo próprio interessado, no caso o participante ou mesmo o patrocinador de planos previdenciários.

De tudo isso emerge uma consciência de direitos, deveres, riscos e oportunidades sem paralelo nos tempos modernos. Quem não compreender essa realidade poderá ficar para trás.

Destaco também a necessidade de avanços na gestão e na supervisão baseadas em riscos, tendo como norma orientadora a Resolução CGPC 13, de 2004, que foi concebida para contemplar a heterogeneidade das entidades fechadas de previdência complementar, inclusive no campo da autorregulação.

Por mais que os fundos de pensão tenham evoluído em matéria de governança corporativa, vale lembrar que esse é um processo contínuo de aperfeiçoamento, daí a atualidade da agenda da transparência e do gerenciamento dos riscos de conflitos de interesses.

Outro ponto relevante diz respeito à busca do equilíbrio entre capacitação e responsabilidades dos dirigentes dos fundos de pensão. Assim, devem ser observados os diferentes níveis de exigência de qualificação e de responsabilização entre diretoria executiva da entidade de previdência, cujos membros geralmente trabalham em regime de dedicação integral, e conselhos deliberativos e fiscais, cujos integrantes acumulam atribuições nos patrocinadores e não respondem pelo cotidiano da fundação.

Com a crescente necessidade de diversificação dos investimentos, num contexto complexo de mercados e normas, a definição clara de competências, no interior dos fundos de pensão, e a memorialização (registro formal) dos processos decisórios são imperativos vitais para a boa gestão. Em matéria de averiguação de comportamentos, e de responsabilidade fiduciária, os dirigentes de tais entidades de previdência também devem se orientar por uma visão de longo prazo.

Nesse tema é preciso cautela com a possível edição de novos normativos que pretendam substituir na totalidade o atual arcabouço repressivo e disciplinar, consubstanciado no Decreto 4942/03. Cabe avaliar, em nome da previsibilidade e da estabilidade de regras, se é desejável a substituição integral desse decreto, começando um novo jogo a partir do zero, ou sua reforma cirúrgica, com o devido aperfeiçoamento em pontos específicos.

Entre os desafios jurídicos para o crescimento da previdência complementar mencionaria ainda a necessidade de superação das limitações da Resolução CGPC 10, de 2004. Se na época de sua edição tal normativo foi um avanço, pois admitiu a transferência dos riscos de invalidez e morte para seguradoras em planos de contribuição definida, hoje é preciso abrir tal possibilidade para os planos de benefício definido, além de se permitir o compartilhamento ou a exteriorização do risco da longevidade.

A democratização da proteção previdenciária depende do entrosamento das áreas de previdência privada, seguro, resseguro e mercado de capitais. A previdência complementar dos servidores públicos, capitaneada pelos exemplos da União Federal e dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, é um significativo passo para a ampliação de uma verdadeira cultura de previdência capitalizada.

Adacir Reis - sócio do escritório Reis, Tôrres e Florêncio Advocacia e presidente do Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia.

Fonte: http://www.investidorinstitucional.com.br/blog/site/desafios-juridicos-da-previdencia-complementar/
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