É maluco, mas é verdade
- É milagroso uma criança aprender com facilidade uma língua
- Como economista, acredito em fatos que as pessoas comuns rejeitam
Estou
assistindo a mais uma das maravilhosas séries de palestras dos Great Courses,
da Teaching Company; desta vez, sobre física, por Don Lincoln. Ele conta como
os físicos sabem o que afirmam saber.
Nesta
palestra, ele mostrou como eles sabem que os relógios andam mais devagar quando
se movem a uma velocidade próxima à da luz. Isso vai contra nossa experiência
cotidiana, é claro. Mas é verdade.
Sou
uma economista, e depois de se tornar economista você acredita num monte de
fatos em que as pessoas comuns, e até mesmo alguns "economistas"
enganados, não acreditam, ou pelo menos acham surpreendentes e difíceis de
acreditar.
Tais
crenças são comuns em qualquer especialidade. Que a gosma aquosa colocada no
forno possa se transformar num bolo, por exemplo, é um milagre.
E um verdadeiro
confeiteiro conhece fatos ainda mais surpreendentes e contraintuitivos. Um
carpinteiro habilidoso sabe ajustar o corte de duas tábuas que se encontram num
canto irregular de uma sala.
É um fato milagroso que qualquer criança aprenda
uma língua com facilidade, o português ou o uaiú dos indígenas da Colômbia.
Assim como a mecânica quântica, parece maluco e impossível visto de fora.
Alguns
fatos em economia são assim. Tornar-se um economista de verdade significa
aprender por que eles são verdadeiros e quais são as evidências a seu favor,
mesmo que as pessoas achem os fatos malucos.
Em economia, o exemplo mais famoso de um fato
maluco, mas verdadeiro, é a "vantagem comparativa".
Um físico do MIT, ganhador do Nobel, desafiou um colega, economista ganhador
do Nobel, Paul Samuelson, a lhe contar um fato de economia que fosse ao mesmo
tempo verdadeiro e maluco, inacreditável.
O físico presumiu, baseado em sua
formação, que uma "ciência real" deveria ter muitos desses fatos,
pois a ciência dele tem. Um pouco provinciano, admito.
A vantagem comparativa diz que Raphinha joga como
ponta-esquerda, não como zagueiro ou goleiro, embora ele possa ser melhor como
zagueiro ou goleiro do que qualquer outro. Seria burrice, é claro, colocá-lo
como zagueiro, por causa dos gols que o time sacrificaria.
A menos que ele
impeça mais gols como zagueiro do que marque como ponta-esquerda, ele deveria
se especializar como ponta.
Uma
mãe pode preparar o jantar e limpar a cozinha melhor que seu filho de 8 anos.
Ela tem uma vantagem "absoluta" nas duas tarefas. Mas, para tirar o
máximo proveito de ambas —como marcar mais gols pelo Barcelona e pelo Brasil—,
ela cozinha e o menino limpa.
Óbvio,
não? E, observa o economista, isso também vale para os países. Praticamente
ninguém, exceto um economista, acredita nisso.
Mas é verdade. E diz que a
maneira como as pessoas falam habitualmente sobre o comércio é falsa. É falso
afirmar que Bangladesh pode "competir" com o Brasil porque seus
salários são muito mais baixos.
Essa alegação é a desculpa para tarifas que
"protegem" os brasileiros.
Mas
a vantagem comparativa diz que Bangladesh deveria se especializar em malharia e
o Brasil, em aviões, embora o Brasil pudesse fabricar até malhas com menos mão
de obra. É como Raphinha, ou a mãe.
Pare
de "proteger". Você está dando um tiro no pé. Ou perdendo o gol. Ou
não preparando a comida.
DEIRDRE NANSEN McCLOSKEY- economista, é professora
emérita de economia e história na Universidade de Illinois, em Chicago