Redundância cerebral


Há muito que os engenheiros de computação descobriram que sistemas que lidam com informação digitalizada, quer dizer, representada em sequências de zeros e uns, tem que ser redundantes - ou o risco de informação se perder pelo caminho é grande demais. Por e-mail ou via internet, dados são transmitidos não em sequências lineares, como um único usuário soletrando seu nome ao telefone, mas sim em pacotes pequenos de sinais que sobrepõem. É como se uma página contendo informações preciosas fosse primeiro copiada várias vezes, depois cada uma picotada de um jeito diferente e todas por fim enviadas por correio instantâneo. Mesmo que alguns envelopes se percam pelo caminho, a mensagem ainda pode ser reconstruída na íntegra.

Computadores modernos também usam um esquema de redundância, chamado RAID, no qual dados são distribuídos entre vários discos que, mais do que meras cópias físicas uns dos outros, representam informações múltiplas vezes de maneira organizada, o que torna o conjunto quase impérvio a acidentes. Caso um disco falhe, o conjunto dos outros compensa sua falta instantaneamente.

Pois Nuo Li, Kayvon Daie e colaboradores da Janelia Farm, do Instituto Médico Howard Hughes, acabam de mostrar na revista "Nature Neuroscience" que comandos motores também são codificados de maneira redundante entre os dois hemisférios do cérebro do camundongo. Na falta momentânea de um hemisfério, o outro dá conta do recado. De quebra, o achado também explica por que é tão difícil fazer movimentos independentes com cada mão ou pé: a atividade de um hemisfério se espalha ao outro, gerando a redundância.

Usando um feixe de laser para inativar temporariamente neurônios motores em camundongos geneticamente modificados para tornar seus neurônios sensíveis à luz, Li, Daie e equipe descobriram que quando um córtex motor é inativado enquanto deveria estar preparando um movimento, o outro lado do córtex, inalterado, ainda é capaz de fazer o movimento necessário acontecer.

Mas só se ainda houver algo como meio segundo até a ação ser necessária; muito em cima da hora, nada feito. Ou seja: para gerar o sem fim de movimentos que fazemos ao longo do dia, só mesmo tendo dois hemisférios para dividir o trabalho. O alento é que, em eventuais casos de falha, um consegue substituir o outro. A não ser, claro, em casos de catástrofe, com destruição maciça de tecido cerebral.

Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)

Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com

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