Nova moeda virtual abala otimismo sobre fim do sigilo bancário


Moeda virtual Zcash, lançada há uma semana, permite anonimato nas operações

Na semana passada, o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, afirmou que "a era do sigilo bancário acabou, no passado era muito mais fácil esconder dinheiro". Ele comemorava o sucesso da medida de repatriação de divisas, que rendeu mais de R$ 50 bilhões de impostos ao regularizar recursos não declarados no exterior.

Alguém precisa apresentar o secretário à nova moeda virtual chamada Zcash, lançada há pouco mais de uma semana. Talvez seu otimismo sobre o fim da era do sigilo bancário saia bastante abalado.

O Zcash é uma moeda que só existe na internet. Ela não é emitida por nenhum banco central, nem tem lastro na economia de nenhum país. Ela é um número que só existe na rede e que funciona com um complicado sistema de criptografia. Em suma, é similar ao famoso bitcoin, pioneiro da geração de "criptomoedas".

Só que o Zcash tem uma diferença importante. Ele foi desenhado para ser completamente anônimo. É impossível saber quem tem Zcash em sua carteira, bem como saber quem mandou dinheiro para quem. Ele permite enviar dinheiro para qualquer país sem taxas e sem que seja possível conhecer a identidade do remetente ou do destinatário. Nem a soma dos computadores mais poderosos do planeta consegue analisar quem mandou dinheiro para quem.

Diferentemente do bitcoin -que é mantido por uma comunidade aberta e sem fins lucrativos-, o Zcash foi lançado por uma empresa com finalidade de lucro, criada por alguns dos maiores especialistas globais em criptografia. A empresa diz que seu objetivo é vender serviços para os bancos, permitindo o surgimento de uma nova infraestrutura global de pagamentos.

Os criadores do Zcash reservaram 10% das moedas que serão emitidas para eles mesmos (que serão no máximo 21 milhões). Decisão que já os tornou multimilionários na primeira semana. Três dias depois do lançamento, uma única moeda de Zcash estava valendo US$ 1.300.

Curiosamente, o bitcoin tem sido atacado justamente por dificultar a identificação de transferências financeiras. Só que o bitcoin não é anônimo. Ele deixa traços públicos, visíveis e permanentes toda vez em que é usado. Por isso passou a contar com a simpatia de autoridades policiais e governamentais. Nada disso ocorre com o Zcash. As transações são de fato anônimas. Isso abre um temor justificável com relação ao seu uso para atividades ilícitas.

Outro ponto que vale destacar é que o lançamento do Zcash foi nada menos que um IPO disfarçado, sem regulamentação. Um IPO que não passou pelas autoridades que fiscalizam esse tipo de emissão. Mais uma iconoclastia do projeto.

Em 2014, escrevi aqui na coluna e repito: você ainda vai usar uma moeda virtual. Elas tendem a se unir em uma só Ur-Moeda, resultante de toda a política econômica global junta. Com capacidade de tornar obsoletos todos os bancos centrais como conhecemos hoje.

Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil.

Fonte: coluna jornal FSP
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