Cadernos esportivos sem padrão Fifa



“Não creio que o Brasil vá trazer mais riscos, nem Manaus para os ingleses, do que o risco que eles enfrentaram nas províncias iraquianas nas guerras que praticaram recentemente.” (Aldo Rebelo, Ministro do Esporte, Folha de S.Paulo, 9/5/2014, pág D-2)

Sutil como um elefante e irritado com o tabloide britânico Daily Mirror, que alertou seus leitores para o risco que correrão no Brasil e especialmente em Manaus (onde se hospedará a seleção inglesa), o ministro do Esporte Aldo Rebelo mandou brasa numa coletiva para os correspondentes estrangeiros sediados no Rio.

Não foi gafe, foi grosseria pura e simples, incompatível com o decoro que se espera dos anfitriões da Copa do Mundo. Os turistas que pretendem gastar suas libras em nosso país nada têm a ver com a política externa do Reino Unido no Oriente Médio. O jornal que leem prestou-lhes um bom serviço ao adverti-los para eventuais perigos. Os nossos, ao contrário, subtraíram conteúdo. Como de hábito.

Mas por que razão a bobagem passou em brancas nuvens sem merecer qualquer reparo? Porque foi enterrada no caderno de Esportes do jornalão, lido quase que exclusivamente pelos interessados naquilo que rola no gramado.

A classe política não lê os cadernos de esportes, muito menos os sofisticados analistas econômicos ou diplomatas estrangeiros. E como têm seus espaços tomados pelo jogo propriamente dito, o que sobra não consegue absorver o que acontece em áreas contíguas.

Lições do ministro

Se o noticiário extraesportivo a respeito da Copa do Mundo tivesse sido destacado nas páginas políticas, econômicas ou locais, a repercussão de muitos escândalos e ilegalidades teria sido maior. Muitos recursos e vexames poderiam ter sido economizados e evitados.

Tudo isso porque os executivos dos jornais convencionaram que o leitor-torcedor só pensa naquilo que afeta o placar. Além de elitista e reacionário, o conceito é antijornalístico porque limita o noticiário desportivo e impede que possa ser avaliado em todas as suas dimensões.

O universo do leitor-torcedor contemporâneo ampliou-se, transcende as quatro linhas do gramado, enquanto os cadernos esportivos deixam de ser diários e cada vez mais apertados. O rol de absurdos e ilegalidades que envolvem o futebol brasileiro – do horário das partidas à política dos patrocínios – só ganha espaço na imprensa especializada que, por sua natureza segmentada, não repercute nem alcança imediatamente os centros do poder político ou econômico.

Devidamente distribuída ao longo das páginas dos veículos, uma pauta mais moderna, ampla e participativa poderá converter o leitor-torcedor em leitor-cidadão. Com os cumprimentos de Aldo Rebelo.

Alberto Dines – jornalista, escritor, dirigiu e lançou diversas revistas e jornais no Brasil e em Portugal, foi editor –chefe do Jornal do Brasil, criou o site Observatório da Imprensa, é pesquisador sênior do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp.

Fonte: site Observatório da Imprensa

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