Índia criou numeração moderna, mas não a fórmula de Bhaskara


País foi o primeiro a ter centro de excelência em matemática no mundo em desenvolvimento

Acabo de passar duas semanas na Índia a trabalho, para participar em uma conferência que o IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) co-organizou em Bangalore. Aproveitei para visitar o renomado Instituto Tata de Pesquisa Fundamental, em Bombaim, e para conhecer Goa, a velha capital do império português no Oriente.

A matemática indiana remonta a 1200 a.C. e suas realizações são notáveis. Os hindus descobriram o zero (independentemente dos babilônios e dos maias) e também vem deles o símbolo 0, que usamos para representar esse número: seu primeiro uso conhecido foi no manuscrito Bakhshali, escrito em fragmentos de casca de bétula por volta do século 3. 

Esse importante avanço permitiu que criassem o sistema posicional decimal para representar números. O princípio central (“de lugar para lugar, cada um é dez vezes o anterior”) já aparece no Aryabhatiya, escrito em sânscrito ao final do século 5 pelo matemático e astrônomo Aryabhata (476 – 550). Transmitido ao Ocidente pelos árabes, e popularizado por Fibonacci, o sistema decimal hindu libertou os europeus da esquisita numeração romana, tornando-se padrão em todo o planeta.


A matemática indiana remonta a 1200 a.C; foram os hindus que descobriram o zero (independentemente dos babilônios e dos maias) e também vem deles o símbolo 0, que usamos para representar esse número

Enquanto isso acontecia, a matemática na Índia continuava avançando. No século 7, já estavam trabalhando com números negativos, tendo identificado corretamente as respectivas regras de operação, como “negativo vezes negativo dá positivo”.

O que eles não fizeram foi descobrir a fórmula resolvente da equação de grau 2... O meu colega em Bombaim ficou surpreso quando contei que no Brasil ela é chamada “fórmula de Bhaskara”: houve dois matemáticos importantes com esse nome, nos séculos 7 e 12, mas ninguém na Índia associa qualquer deles com a fórmula (que já era conhecida dos babilônios por volta de 1.800 a.C.). Que se saiba, esse disparate é invenção brasileira.

Nos nossos dias, a Índia permanece um dos países mais desenvolvidos na pesquisa em matemática, ocupando um lugar no grupo 4 da União Matemática Internacional, o segundo mais importante. Isso se deve em parte ao prestígio do Instituto Tata, de Mumbai, historicamente o primeiro centro de excelência em matemática no mundo em desenvolvimento. 

Fundado em 1945 com o apoio da família Tata, de empresários, uma das mais importantes da Índia, o instituto é integralmente financiado pelo governo federal indiano. Nos anos 1950, contou com o apoio de J. Nehru, primeiro-ministro fundador da Índia independente, para conseguir sua sede própria, um belo campus no tradicional bairro Navy Nagar, entre instalações das forças armadas indianas.

Em matemática, o Tata tem tradição especialmente forte na importante área da geometria algébrica. O instituto também tem departamentos de física, química, biologia e computação (o primeiro computador da Índia foi construído no Tata, em 1957).

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Visitei a Índia por duas semanas para uma conferência de minha área de pesquisa (sistemas dinâmicos), que o Impa organizou em Bangalore, em parceria com o Centro Internacional de Física Teórica de Trieste e o Centro Internacional de Ciências Teóricas de Bangalore, filial do Instituto Tata de Bombaim.

A pesquisa matemática indiana tem um passado glorioso, que remonta a 1.200 a.C., e continua entre as mais desenvolvidas do mundo. Na trigonometria, seus primeiros resultados apareceram nos Surya Siddhanta, manuscritos dos séculos 4 e 5 que introduziram as definições e os nomes das funções seno e cosseno. 

Um milênio depois, a matemática indiana continuava na vanguarda: entre os anos 1300 e 1600, a escola de Kerala, no sul da Índia, fez descobertas que os europeus só alcançariam um par de séculos depois. 



Professor usa quadro negro -  

 

No livro Tantrasangraha, do matemático e astrônomo Nilakantha (1444 – 1544), foram exibidas expansões em séries de potências que permitem calcular as funções trigonométricas e o número π (pi) com grande precisão. Infelizmente, esses avanços não se tornaram conhecidos fora da Índia, e acabaram sendo ultrapassados pela descoberta do cálculo infinitesimal por I. Newton e G. Leibnitz.

No século 19, a Índia produziu um dos matemáticos mais extraordinários da história: Srinivasa Ramanujan (1887 – 1920), cuja vida foi contada no filme “O homem que Viu o Infinito”. Dotado de intuição fora do comum para descobrir fórmulas matemáticas complexas, Ramanujan atribuía sua inspiração à deusa Namagiri. O fato de que algumas dessas ideias “divinas” estavam erradas torna o caso ainda mais interessante.

No caminho de Bombaim, onde visitei o Instituto Tata, para Bangalore passei um fim de semana conhecendo Goa. A região foi conquistada em 1510 pelo extraordinário Afonso de Albuquerque, artífice do império português no Oriente. Foi um golpe de gênio estratégico: além da excelência do seu porto, Goa ficava na divisa entre dois reinos rivais, Bijapur (muçulmano) ao norte e Vijayanagar (hindu) ao sul, permitindo ao astucioso governador português e a seus sucessores intervir com sucesso na diplomacia regional.

Assim, Goa permaneceria como centro do poder português na Ásia por mais de 450 anos, até ser anexada em 1961 pela Índia recém-independente. Quando eu era criança, o governo de Portugal ainda se recusava a reconhecer a “invasão ilegal”, pelo que Goa continuava sendo ensinada na escola. Na época eu sabia “tudo” sobre seus rios, ferrovias, produção agrícola e industrial etc.

O legado dessa incrível aventura ainda é visível nos nossos dias, em diversos monumentos e igrejas (quase 10% dos moradores são católicos), em nomes de lugares (Vasco da Gama, onde fica o aeroporto, é a maior cidade do estado), em sobrenomes exóticos como “Souza” ou “Noronha” e nas cerca de 10 mil pessoas que falam nossa língua fluentemente, com encantador sotaque europeu.

Marcelo Viana - diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

Fonte: coluna jornal FSP

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