Previdência é um pequeno passo na história, mas um grande salto para reformas


Mudança nas aposentadorias coloca país na trajetória correta para melhorar tributação, crédito, saneamento, educação e infraestrutura

O Congresso Nacional está prestes a dar um passo histórico e aprovar uma reforma previdenciária, a terceira desde 1988. Será uma importante atualização de regras a trazer mais equidade no contexto do acelerado envelhecimento populacional do país. 

O envelhecimento é causa e consequência do desenvolvimento. Decorre de mais acesso à educação e à saúde e da elevação da renda domiciliar. Reduzem-se mortalidade infantil, taxa de fertilidade e mortes por doenças crônicas. 

A menor proporção de jovens diminui a taxa de mortes violentas ou por acidentes. Em outra ponta, maior idade média implica mais experiência profissional, produtividade e acumulação de bens imobiliários ou financeiros. 

A poupança da economia pode aumentar; a demanda por educação básica se reduz, liberando recursos para a saúde. 

O envelhecimento populacional pode, assim, levar ao aumento da renda per capita e a menores taxas neutras de juros. Mas esses ganhos não são inexoráveis. Há fatores que podem anular as vantagens de ter uma sociedade mais madura e experiente, tal como visto no Japão e nos países nórdicos. 

Um fator de risco é a qualidade do ambiente denegócios, que freia o empreendedorismo, a inovação e as decisões de investimento. Nesse quesito, o Brasil situa-se na 109ª posição entre 190 países, segundo o Doing Bussiness. Outro fator de risco é a efetividade das regras previdenciárias, que podem desestimular a poupança dos trabalhadores a alimentar a “despoupança” pública. 

A parcela dos benefícios previdenciários não cobertos por contribuições chegou a R$ 475 bilhões, ou 7% do PIB, em 2018. A cada ano, os governos retiram cerca de 5% do PIB da poupança dos cidadãos e das empresas para cobrir sua “despoupança”, muito em razão dos desequilíbrios previdenciários.

Isso reduz recursos que poderiam ser canalizados para investimentos produtivos e geração de empregos, condena o Brasil a conviver com taxas de juros mais altas e retira cerca de 0,5 ponto percentual do crescimento potencial, impedindo a geração de cerca de 200 mil empregos por ano.

Decorre daí a enorme importância da aprovação acelerada da reforma previdenciária. Segundo nossas estimativas, com a reforma nos moldes em que tende a ser aprovada, a proporção de despesas previdenciárias sobre o PIB no regime privado deverá atingir 8% em 30 anos, bem abaixo dos explosivos 17% projetados num cenário sem reforma. 

Os gastos previdenciários continuarão crescendo cerca de R$ 30 bilhões por ano, em média, um ritmo menor que o atual e que permite estabilizar a despesa previdenciária como proporção do PIB. Isso viabilizará trajetória solvente para a dívida pública, que, apesar de um crescimento dos atuais 78% para até 83% do PIB, poderá iniciar leve declínio a partir de 2023. 


No Brasil, a dívida previdenciária (déficit atuarial) alcança R$ 14,6 trilhões, ou duas vezes o PIB, sendo 37% nos estados e municípios, o que significa que os desafios não param aí. Os entes subnacionais ficaram de fora da reforma até agora, o que irá postergar o ajuste estrutural em suas contas. 

A reforma contribuirá para o cumprimento do teto de gastos federais nos próximos anos, gerando confiança no compromisso em solver as contas públicas, o que deverá reduzir risco e melhorar as condições financeiras no país.

A reforma da Previdência, por si, não trará maior crescimento. Para colhermos os benefícios da transição demográfica e dos avanços tecnológicos e, assim, maior patamar de desenvolvimento, precisamos trabalhar duro para melhorar nossas instituições.

Torna-se fundamental melhorar o ambiente de negócios para catalisar condições financeiras mais favoráveis para o investimento produtivo. 

Precisamos enfrentar reformas na tributação, nos sistemas educacional e sanitário, no crédito e no mercado de capitais e na regulação da infraestrutura; maior integração no comércio internacional e incentivos para a produtividade no setor público. 

Ainda há muito a fazer, mas estamos na trajetória correta. Um pequeno passo na história do país, mas um grande salto de mobilização para as reformas!

Ana Paula Vescovi - diretora de economia do Santander Brasil, foi secretária do Tesouro Nacional

Fonte: coluna jornal FSP

 

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