De quem é o fim de semana, afinal?
Pais e mães se culpam por não terem o dom da ubiquidade. Em vez de sustentarem junto aos filhos suas próprias escolhas, fingem que poderiam estar em dois lugares ao mesmo tempo, mas só não conseguem a proeza por não se dedicarem o suficiente.

Mensagem mais onipotente impossível. Quando se separam das crianças, ficam constrangidos, como se as estivessem largando no absoluto desamparo. É claro que elas se sentirão inseguras ou injustiçadas, pois é essa a mensagem que lhes enviam. O maior problema não tem sido não estarem com os filhos, mas a ambiguidade com que apresentam esse fato.

Para resolver a questão, alguns adultos têm tentado dedicar seus momentos de lazer integralmente aos filhos na esperança de compensar as ausências decorrentes do trabalho. Buscam mostrar que, embora trabalhem muito, lamentam cada minuto longe deles.


Kristin Stetcher com suas duas filhas, as quais não têm celulares e tablets como parte de suas rotinas.

Mentira, claro. Tampouco os filhos lamentam tanto assim a ausência de pais e mães. Geralmente, eles imploram para ficar conosco, quando não podemos, e nos esnobam, quando estamos ao alcance de suas mãos. Podem também nos perseguir dentro de casa, mas não perderão a oportunidade de dizer que preferem estar com o amigo, os avós, o cachorro, no celular, e mesmo sozinhos, se lhes for conveniente. 

Cada vez mais ouve-se a frase “trabalho a semana toda, mas meu fim de semana é dos filhos”. Se levada ao pé da letra —e tem sido— ela desemboca em atividades como: andar de bicicleta, ir à festas infantis, teatros infantis, parquinhos infantis, cardápio infantil, filminho infantil, festa do pijama, filhos dormindo na cama dos pais.

Existem adultos que adoram, mas e os outros que não se encaixam no perfil? Estariam comprometendo a “qualidade do tempo” com os filhos? Traumatizariam as crianças?

Para quem imagina que a mãe que “só” trabalhava em casa era alguém onipresente na vida dos filhos chegou a hora da verdade: claro que não! Lugar de criança era no quintal ou na rua —que deram lugar ao parquinho e ao espaço da casa.

Ainda que os muito pequenos precisassem de atenção permanente, a atenção tinha finalidade de que não enfiassem o dedo na tomada e não de que fossem entretidos o tempo todos. Quintal, rua, parquinho ou casa são espaços da criança nos quais o tempo de interação com os adultos pode ser bem menor do que nossa fantasia faz supor.

Para pais e mães que querem também ler, namorar, comer comidas de adulto, ver filme de adulto, estudar, cuidar da casa, ter amigos adultos o que fazer?

Primeiro, assumir que esses desejos são absolutamente legítimos, em vez de fingir que adoram partilhar música, comida e papo de buffet infantil. Segundo, assumir que o tempo de lazer é para todos, pois ter o filho como centro da casa só serve para criar pequenos tiranos, que têm sido produzidos em série, e pais infantilizados e constrangedores.

Em tempo, lembro da impressão que me causou, quando criança, o conto “O velho, o menino e o burro”. O trio saia em direção à cidade e, a cada trecho do caminho, encontrava alguém dando palpite na forma como eles viajavam.

“Por que o menino, que é ainda jovem, vai no burro, enquanto o velho vai a pé?”, “Por que o velho vai no burro e o pobre menino vai a pé?”, “Por que o velho e o menino vão sobre um burro exausto?”. 

A cada opinião acatada pelo velho e pelo menino, surgia uma nova crítica e assim sucessivamente. Moral da história: assumamos a responsabilidade pelas nossas escolhas e suas consequências, pois, sejam quais forem elas, as críticas estão garantidas.

Vera Iaconelli - diretora do Instituto Gerar, autora de “O Mal-estar na Maternidade”. É doutora em psicologia pela USP

Fonte: coluna jornal FSP


Tel: 11 5044-4774/11 5531-2118 | suporte@suporteconsult.com.br