Existe sexo depois que os filhos nascem?


Não precisa ser psicanalista para perceber quão sugestivo é o fato de que, quando queremos dizer que a vida sexual ficou sem graça, dizemos que ela ficou reduzida ao "papai e mamãe" (embora a origem do termo tenha outros sentidos).

Um garoto de 9 anos se gabava de que sabia que seus pais faziam sexo. Tendo ele dois irmãos, contava orgulhoso a quantidade de vezes que os pais teriam feito: três, é claro!

A matemática só não era melhor do que o raciocínio: meus pais fizeram sexo unicamente para ter filhos.

O raciocínio da criança é engraçadinho e, ao mesmo tempo, tem um quê de constrangedor, pois sentimos que não está tão distante do nosso, afinal. Cada vez que alguma situação remete ao fato de que nossos pais transam, mote incansável de piadas no cinema, paira o constrangimento, mesmo em adultos.

Por que pode ser tão difícil lidar com isso? Sem pretensão de qualquer originalidade (sinto muito, é o velho Édipo mesmo), aponto para o fato de que o sofrimento que daí decorre pede que se retorne outra vez ao tema, em tempos em que separar o pimpolho da vida do casal torna-se tarefa quase impossível.

Por que parece indecoroso pensar que papai e mamãe transam? Porque implica que eles tenham algo com o qual se comprazem e do qual nós, seus filhos, somos privados.

É duro o reconhecimento de que nossos pais, digamos, gozam a vida sem nós e que, portanto, não bastamos para eles. Pobre de nós, que nos supúnhamos a última bolacha do pacote.

Crescemos e convenientemente "esquecemos" ter reduzido nossos pais a fãs incondicionais de nossa existência, sem outro interesse que não o interesse por nós. Esquecemos até a hora em que nossos pais nos surpreendem com um casamento depois do divórcio/viuvez, uma plástica temporã para se fazer atraente, um pacote de camisinhas no armário do banheiro, uma viagem com amigos ao invés da irrecusável viagem com os netos, enfim, qualquer indício de que haveria vida erótica, desejo e amor para além de nós.

Nessas horas não nos saímos muito melhor do que o garoto acima porque as fantasias sexuais infantis, descoberta de Freud, são tão operantes nos adultos quanto eram em nossa infância, embora menos declaradas e ainda mais atuantes (justamente porque não conseguimos acessá-las ou admiti-las reaparecem em deslizes tão vexatórios, quanto corriqueiros).

Mas eis que nós, os filhos que se supõem serem tudo para os pais, resolvemos ter nossos próprios filhos. Para além da questão logística (falta de sono, falta de tempo e falta de clima), são exasperantes as dificuldades que os casais têm para retomar a vida sexual depois do nascimento dos filhos –quando conseguem– e preocupantes os sofrimentos que daí decorrem.

Basicamente trata-se de colocar os pequenos para fora do circuito fechado do desejo dos pais. Faz-se necessário bancar que temos coisas para fazer longe deles que não são só obrigações incontornáveis, mas atividades que não vemos a hora de poder fazer na sua ausência –não é a toa que fotos de bebês dormindo estão entre as que mais apreciamos.

Aprendemos com Freud também que é melhor perder uma parte do que perder tudo (vulgo, castração). Ao abrirmos mão de papai e mamãe, abrimos espaço para todos os outros homens/mulheres.

Boa troca, não é?

Vera Iaconelli - Psicanalista, fala sobre relações entre pais e filhos, as mudanças de costumes e as novas famílias do século 21

Fonte: coluna jornal FSP

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