Você conhece a numeração grega?
O mais interessante é a ausência
do zero, que os árabes levaram à Europa na Idade Média
Creio que ainda se ensina na escola que os romanos
representavam os números por letras: 1=I, 5=V, 10=X, 50=L, 100=C, 500=D e
1.000=M. Era um sistema muito ruim, mas o prestígio da civilização romana fez
com que sobrevivesse até os nossos dias.
O alfabeto romano, que também usamos, é uma
adaptação bastante direta do alfabeto grego, e eu sempre achei que com os
sistemas de numeração valeria o mesmo. Mas descobri recentemente que a coisa é
um pouco mais complexa (e mais interessante!).
Para começar, os gregos antigos usaram mais de um
sistema de numeração.
O mais comum, chamado jônico, funcionava assim: as
unidades eram representadas pelas nove primeiras do alfabeto grego: 1=α
(alpha), 2=β (beta), 3=γ (gama), …, 9=θ (teta). Para as dezenas, usavam as nove
letras seguintes: 10=ι (iota), 20=κ (capa), 30=λ (lambda)… Finalmente, as
centenas correspondiam às últimas nove letras: 100=ρ (rô), 200=σ (sigma), 300=τ
(tau), ….
A leitora sapeca deve estar pensando: "Hehehe,
deram sorte que o número de letras deles era múltiplo de nove".
Bom, o
alfabeto grego só tinha 24 letras..., mas eles resolveram isso usando também
três letras arcaicas, que tinham caído em desuso na escrita.
Várias coisas chamam a atenção.
A mais gritante é a
ausência do zero, que só seria introduzido na Europa, pelos árabes, na Idade
Média. Por causa disso, enquanto podemos representar três unidades, três
dezenas e três centenas com o mesmo símbolo, 3, com um número adequado de zeros
à sua direita, os gregos eram obrigados a usar três letras diferentes: 333 se
escrevia τλγ.
Ora, desse modo as letras se esgotam logo: o
sistema jônico só permitia representar os números até 999 (eles tinham um
truque para mitigar essa limitação, mas não vem ao caso aqui).
Arquimedes (287-212 a.C.) deve ter achado isso
claustrofóbico quando, em "O Contador de Areia",
se propôs a calcular quantos grãos de areia cabem no universo.
É óbvio que esse
número é muito maior do que 999, então como representá-lo?
Antes de comentar a resposta, façamos uma pausa
para meditar sobre a tarefa que Arquimedes se atribuiu. Quase posso escutar o
povo de Siracusa questionando: "Para que serve isso na prática? Quem está
financiando essa perda de tempo?".
Afinal, números até 999 eram mais do
que suficientes para tudo o que os gregos faziam no dia a dia. Por que alguém
gastaria seu tempo e esforço com algo sem utilidade?
Eu adoraria saber a resposta de Arquimedes, ele que
sempre se destacou nas aplicações práticas do conhecimento científico (como os
romanos descobriram, da pior forma possível, durante o cerco de Siracusa).
Nos mais de dois milênios seguintes nos deparamos
com inúmeras questões, da cosmologia à mecânica quântica, que requerem números
muito maiores (e muito menores), e Arquimedes será para sempre o primeiro a ter
intuído essa necessidade.
Mas suspeito de que neste caso ele tenha sido movido
mesmo pela curiosidade, a vontade de entender até o que "não serve para
nada" que nos fez descer das árvores e chegar até aqui, talvez o traço que
mais nos aproxima da divindade.
Mas o que mesmo Arquimedes fez em "O Contador
de Areia"? Acabo de perceber que a esta altura já gastei todo o espaço da
coluna de hoje... Na próxima conto, prometo!
Alfabeto Grego:
1=α (alpha), 2=β (beta), 3=γ (gama), …, 9=θ (teta). Para as
dezenas, usavam as nove letras seguintes: 10=ι (iota), 20=κ (capa), 30=λ
(lambda)… Finalmente, as centenas correspondiam às últimas nove letras: 100=ρ
(rô), 200=σ (sigma), 300=τ (tau), ….

MARCELO
VIANA –
diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e
Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France