Vence a pilantragem dos influencers da saúde
Juíza condena
cientistas por criticarem postagem que associava diabetes a parasitas
Aviso aos navegantes: na internet deste Brasil varonil, existe um
vasto ecossistema de "influenciadores da saúde" dedicado a vender soluções
estapafúrdias para doenças que deveriam ser tratadas com medicina de verdade.
Para nossa sorte,
também existem divulgadores científicos que costumam desmontar esses absurdos
com precisão e bom humor.
Que bom, né? Mas o Judiciário do estado de São Paulo resolveu multar uma dupla
dessas divulgadoras pela ousadia de criticar abertamente um sujeito que afirmou
que diabetes é causado por… parasitas.
E que
recomendava um suposto "protocolo de desparasitação" como forma de
resolver o problema.
Em tempo: na imensa maioria dos casos, tendências
genéticas e/ou má alimentação –em especial, é claro, o excesso de açúcar– são
as responsáveis pelo aparecimento do diabetes.
Dieta e, em certos casos,
medicamentos ou o uso da insulina são as únicas abordagens recomendadas para
tratá-la. Atribuir a doença a parasitas é delírio puro e simples.
Foi por dizer o óbvio acima que o duo
NuncaVi1Cientista, formado pela bióloga Ana Bonassa (especialista no
metabolismo do diabetes, inclusive) e pela farmacêutica Laura Marise, ambas com
doutorado em suas respectivas áreas, está sendo penalizado.
Elas terão de pagar
R$ 1.000 em danos morais ao responsável pelas postagens descabidas. Como temos
visto por aí (olá, Pablo Marsauron!), a pilantragem compensa.
O valor pode até ser modesto, mas o precedente
aberto pela decisão da juíza Larissa Boni Valieris, da 1ª Vara do Juizado
Especial Cível, parece-me absolutamente assustador.
E reparem que o vídeo
original publicado pelas divulgadoras (agora apagado por ordem judicial) não
continha uma única acusação de delito.
Limitava-se a reproduzir a página de uma
rede social do nutricionista que replicou os disparates, informava que ele
tinha bloqueado o pessoal do NuncaVi1Cientista quando avisaram-no de que ele
estava espalhando bobagem e explicava como o diabetes realmente funciona.
A juíza Valieris, entretanto,
apegou-se à interpretação de que reproduzir a rede social de uma pessoa sem
autorização em outro perfil era injustificável.
Não importa que o perfil com
ideias perigosas para a saúde pública fosse aberto para quem quisesse ver.
Segundo ela, deve ser observada "a inviolabilidade à intimidade, à vida
privada, à honra e à imagem das pessoas".
"Verifica-se, pois, a
ocorrência do dano moral, haja vista a situação de vergonha e tristeza a que
fora submetido o autor [do processo], em razão da conduta do réu em publicar,
sem autorização, seus dados em vídeo junto a rede social de amplo
alcance", escreve ela na sentença.
Do meu ponto de vista, seria interessante que o
Judiciário brasileiro começasse a levar em conta a vergonha e a tristeza de
familiares que vêm seus entes queridos deixando de lado tratamentos eficazes
para se entupirem de "água alcalina" ou chazinhos duvidosos,
colocando sua vida em risco porque acreditaram num rostinho carismático da
internet.
Seria ainda mais interessante que o Judiciário
aprendesse que muito ajuda quem não atrapalha, ao menos permitindo que pessoas
que realmente entendem do que estão falando possam desmontar os argumentos dos
picaretas sem temer assédio jurídico.
Sonhar não custa nada.
REINALDO JOSÉ LOPES - jornalista especializado em
biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".