Os muito velhos são felizes e não temem computadores


O que os idosos com 85 anos ou mais preferem: enfrentar tarefas que demandam o uso do computador ou o mesmo desafio encarado pela velha aliança entre papel e caneta? O senso comum provavelmente escolherá a segunda alternativa, mas o maior e mais bem elaborado estudo sobre esse segmento populacional em todo o mundo diz exatamente o contrário.

A pesquisa que envolveu mais de mil idosos durante anos, aconteceu em Newcastle upon Tyne, normalmente chamada apenas de Newcastle, a 450 quilômetros de Londres, a cidade mais populosa do Nordeste da Inglaterra. Seus resultados vão muito além desse detalhe, que a curiosidade jornalística pinçou.

O estudo Newcastle 85+ aconteceu entre 2006 e maio de 2018. Suas atividades e entrevistas em profundidade demoliram vários mitos sobre a velhice e seguem dando subprodutos. O trabalho da equipe multidisciplinar foi coordenado pelo professor Tom Kirkwood, um jovem senhor de 67 anos, que comanda o Instituto de Envelhecimento e Saúde da Universidade local. Sul-africano, ele foi para Newcastle há 19 anos como professor de medicina, com o intuito de desenvolver a ciência básica do envelhecimento, ou biogerontologia. Além de aconselhar o governo inglês e a Câmara dos Lordes, Kirkwood publicou mais de 250 artigos científicos. Sua tese é de que o corpo humano não é geneticamente programado para o envelhecimento, mas projetado para a sobrevivência. Tornou-se um dos nomes mais influentes da ciência no país.

A escolha do grupo etário foi justificada por Kirkwood, por uma razão muito simples: embora seja a parcela etária que mais cresce, é também aquela sobre a qual menos se conhece. As diferenças no envelhecimento são até maiores que as existentes nos estágios iniciais da vida.

Primeiro mito a cair, de acordo com Kirkwood, foi a ideia de que o envelhecimento é algo geneticamente programado e que não pode ser alterado. Embora parte do jogo esteja previamente definido por mecanismos que a humanidade não domina, as escolhas saudáveis de estilo de vida – boa nutrição e exercícios moderados, por exemplo – desempenham um papel crucial na definição de nossa longevidade. Um estudo dinamarquês já mostrou que tais influências genéticas explicam apenas cerca de um quarto dos fatores que determinam o tempo de vida.

Outro mito derrubado: o de que cada velho é um pote até aqui de mágoas. Na verdade, quatro em cada cinco participantes diziam estar indo muito bem. Isso, embora 57,5% tivessem hipertensão, 51,8%, osteoartrite; 21,3% incontinência urinária grave ou profunda e 59,6% deficiência auditiva, entre outros achaques e perrengues típicos da idade.

Mais importante: 80% dos pesquisados, que reproduzem o recorte populacional da Inglaterra, não precisavam de cuidados especiais. E um percentual próximo a esse classificou sua qualidade de vida como boa ou excelente. O outro lado da moeda: os 20% restantes precisavam de ajuda diária regular ou cuidados críticos de 24 horas. Um desafio e tanto para os governos, instituições e famílias, já que em 2030, os idosos com mais de 80 anos deverão alcançar os 4,8 milhões (contra 2,6 milhões em 2012), provocando um aumento de 82% na demanda por vagas em casas de repouso – as chamadas instituições de longa permanência.

Mas certas realidades não desaparecem: os mais pobres tem uma velhice pior, também na Inglaterra. Moradores dos arredores da estação de Metrô de Byker, parte pobre de Newcastle contraem uma doença aos 64 anos, 11 antes que os habitantes de Ponteland, um subúrbio rico a poucos quilômetros de distância, diz Kirkwood:

“Se pudéssemos trazer a saúde e a expectativa de vida dos grupos desfavorecidos para o nível dos ricos, subiríamos dramaticamente a tabela da longevidade.”

Entre os resultados mais curiosos do estudo é que seus participantes consideraram menos estressantes ou difíceis os testes de função cognitiva feitos com computadores do que tarefas similares que demandavam o uso de papel e lápis. Os idosos demoraram menos tempo para resolver as questões que demandavam papel e lápis, mas a quantidade de pessoas que terminaram as tarefas foi menor.

De modo geral, os pesquisadores ficaram entusiasmados com a atitude dos muito velhos diante da pesquisa como um todo, como afirmou um enfermeiro ao jornal inglês The Guardian:

Ajudamos nossos participantes a procurar por óculos perdidos, abrir frascos teimosos, trocar lâmpadas, procurar por periquitos fugitivos, aprender um pouco de braille, consertar aparelhos auditivos, tirar rolos de cabelo e admirar fotografias de netos e bisnetos. Examinamos a boca dos participantes, expusemos o peito, cutucamos seus braços com agulhas, examinamos o conteúdo de suas geladeiras, sopramos em um tubo de papelão até ficarem azuis e fizemos centenas de perguntas pessoais. Eles responderam com paciência, bom humor e às vezes um estoicismo típico de sua geração, o que torna um privilégio e um prazer continuar fazendo parte deste estudo.”

Os 1042 cadastrados originalmente foram diminuindo até chegar a 90 idosos, 120 meses depois – 27 homens e 63 mulheres. Muitos foram descartados ou desistiram. Outros 571 morreram ao longo da pesquisa – um resultado previsível entre quem tem mais de 85 anos…

 

Paulo Markun – jornalista

Fonte: jornal FSP

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