O poder é afrodisíaco?
Viver até os 150
anos, ter 14 filhos ou fugir para Marte?
"O poder é afrodisíaco..." Assim reagiu o
demógrafo José Eustáquio Diniz Alves quando lhe
enviei um vídeo com o encontro do presidente da Rússia com o presidente da
China, no dia 3 de setembro.
No vídeo, Vladimir Putin e Xi Jinping, ambos de 72 anos, conversam sobre imortalidade.
"No passado, as pessoas raramente viviam mais
de 70 anos. Mas hoje, aos 70, você ainda é uma criança.
A biotecnologia está se
desenvolvendo continuamente.
Os órgãos humanos podem ser repetidamente transplantados.
Quanto mais você vive, mais
jovem se torna e talvez até consiga adiar a velhice indefinidamente. Há previsões de
que, ainda neste século, as pessoas possam chegar a viver até 150 anos."
Eustáquio, que também tem 72 anos, disse:
"Eles, que se acham crianças aos 70, querem ficar no poder até os
150".
Comentei que Elon Musk alertou que, se não fizermos
filhos, a humanidade será extinta. Musk acredita que a queda na taxa de
natalidade é um dos maiores riscos da civilização: "Se as pessoas não
tiverem filhos, a humanidade desaparecerá. É matemática simples".
A mãe de um dos seus 14 filhos –alguns especulam
que o número de filhos é ainda maior— contou que Musk quer uma "legião de
filhos" para se preparar para o apocalipse e que ele tem obsessão por ocupar Marte.
Eustáquio brincou: "Ainda bem que tenho dois
filhos e não vou ser culpado pela extinção da humanidade". Respondi que eu
vou ser culpada, pois não vou deixar filhos nem netos.
Brincadeiras à parte, estes dois fatos são
interessantes para pensar os paradoxos da longevidade. De um lado, a esperança
de vivermos até os 150; de outro, o risco da extinção da humanidade.
Eustáquio me enviou um artigo de David Bloom,
professor de economia e demografia da Universidade Harvard, publicado, em junho
de 2025, na revista do Fundo Monetário Internacional.
Bloom e outros pesquisadores mostram que as taxas
globais de fecundidade vêm caindo há décadas e estão atingindo níveis
historicamente baixos.
Embora a população já tenha ultrapassado 8 bilhões e
possa chegar a 10 bilhões em 2050, o impulso do crescimento está se dissipando
como resultado do declínio da fecundidade.
O que isso pode significar para o futuro da
humanidade?
O declínio populacional pode prejudicar o progresso
econômico, pois teremos menos trabalhadores, cientistas e inovadores.
Além
disso, a proporção de idosos tende a se expandir, desafiando a sustentabilidade
das redes de segurança social e das pensões.
No entanto, a queda da fecundidade também pode
significar menor necessidade de gastos com moradia e cuidados infantis,
liberando recursos para pesquisa, desenvolvimento e adoção de tecnologias
avançadas, além de libertar as mulheres de grande parte dos imperativos do
trabalho doméstico.
Também pode reduzir as pressões sobre o meio ambiente
associadas às mudanças climáticas, ao esgotamento dos
recursos naturais e à degradação ambiental.
Eustáquio não enxerga um "apocalipse
demográfico", pois acredita que a queda nas taxas de fecundidade e o
aumento da longevidade representam um desafio significativo, e, ao mesmo tempo,
uma oportunidade para repensar nossos comportamentos, valores e estilos de
vida, assim como para planejar o futuro dos nossos filhos e netos.
Afinal, para onde caminha a humanidade? Viver até
os 150 anos? Ter 14 filhos ou mais? Fugir para Marte?
MIRIAN GOLDENBERG - antropóloga e professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela
Velhice"