Michael Sandel: o que o dinheiro não compra


"Hoje, a lógica da compra e venda não se aplica somente aos bens materiais, mas cada vez mais governa nossas vidas inteiramente. Passamos da economia de mercado para a sociedade de mercado." - Michael Sandel, conferencista Fronteiras do Pensamento 2014


Filósofo político norte-americano, Michael Sandel integra a lista dos principais pensadores globais da revista Prospect. Reconhecido pela Associação Americana de Ciências Políticas pela excelência de sua carreira no ensino, foi como professor do curso Justiça, de Harvard, que se tornou mundialmente conhecido. Suas aulas já somaram mais de 15 mil estudantes de todas as partes do mundo e discutem dilemas morais e éticos para analisar a justificativa das pessoas sobre suas posições e atitudes. Michael Sandel está confirmado no ciclo de conferências do Fronteiras do Pensamento 2014, em Porto Alegre e São Paulo.



Sua mais recente obra, O que o dinheiro não compra, debate questões de justiça, ética e moral em nosso tempo. Partindo do pressuposto de que quase tudo pode ser comprado ou vendido atualmente, discute o papel e o alcance dos mercados em nossas vidas.


No artigo abaixo, escrito para o Huffington Post e adaptado de O que o dinheiro não compra, Sandel debate a transformação da economia de mercado para a sociedade de mercado. Segundo o filósofo, a lógica da compra e da venda tem governado cada vez mais questões da sociedade. Para ele, isso ocorre por nosso medo de nos confrontarmos uns com os outros e de expormos nossos valores morais. É por nosso silêncio que o mercado escolhe por nós. Assim, é necessária uma profunda e aberta reflexão sobre qual tipo de sociedade queremos construir e quais são os lugares em que a lógica do mercado pode entrar e atuar. Leia, abaixo, a tradução do texto original:


Michael Sandel: o que o dinheiro não pode comprar


Vivemos em um tempo em que quase tudo pode ser comprado e vendido. Nas últimas três décadas, mercado – e os valores do mercado – passaram a governar nossas vidas como nunca antes. Não chegamos a esta condição por meio de uma decisão deliberada. É quase como se isso tivesse acontecido conosco.


Quando a Guerra Fria acabou, mercados e pensamento mercadológico aproveitavam um prestígio sem paralelos, compreensivelmente. Nenhum outro mecanismo para a organização da produção e a distribuição de bens se provou tão bem-sucedido na geração de riquezas e prosperidade. Conforme os crescentes números de países pelo mundo abraçavam os mecanismos do mercado para operarem suas economias, algo além estava acontecendo. Os valores do mercado passavam a ter, mais e mais, um papel na vida social.


Hoje, a lógica da compra e venda não se aplica somente aos bens materiais, mas cada vez mais governa nossas vidas inteiramente. Passamos da economia de mercado para a sociedade de mercado.


E enquanto economistas geralmente assumem que os mercados são passivos, que eles não afetam os bens que comercializam, isso é mentira. Mercados deixam sua marca. Às vezes, valores de mercado desencorajam valores que não pertencem às normas do mercado.


Claro, pessoas discordam sobre as normas apropriadas para muitos dos campos que os mercados invadiram – vida familiar, amizade, sexo, procriação, saúde, educação, natureza, arte, cidadania, esportes e a maneira com que nós resistimos à morte. Mas, este é o ponto: uma vez que nós vemos que os mercados e o comércio mudam o caráter dos bens que tocam, devemos nos perguntar onde os mercados pertencem e onde não pertencem. E não podemos responder esta pergunta sem refletirmos sobre o significado e o propósito dos bens e os valores que deveriam governá-los.


Tais reflexões tocam, inescapavelmente, em desafiadoras concepções sobre a boa vida. Este é um terreno que, algumas vezes, tememos pisar. Por medo da discordância, hesitamos em tornar públicos nossos valores morais e convicções espirituais. Mas, abdicar destas questões não as deixa sem resposta. 


Simplesmente, significa que os mercados decidirão por nós. Esta é a lição das últimas três décadas. A era do triunfo dos mercados coincidiu com um tempo em que o discurso público tem sido amplamente esvaziado de substância moral e espiritual. Nossa única esperança em mantermos os mercados em seu lugar é refletirmos abertamente sobre o significado dos bens e das práticas sociais que prezamos.


Ao debate sobre o significado deste ou daquele bem, precisamos somar uma questão maior, sobre o tipo de sociedade em que queremos viver. Enquanto direitos de nome e políticas de marketing municipal se apropriam dos recursos comuns, eles têm sua natureza pública diminuída. Além do dano que isso causa a determinadas mercadorias, o comercialismo corrói a comunalidade. Quanto mais coisas o dinheiro pode comprar, menos são as ocasiões em que pessoas de diferentes lugares se encontram. Vemos isso quando vamos a um jogo de baseball e olhamos acima, para os camarotes, ou olhamos para baixo, quando estamos neles, se for o caso. O desaparecimento das experiências que misturam as classes, antes vividas nos estádios, representam uma perda não apenas para aqueles que estão olhando de cima, mas também para os que olham para baixo.


Algo similar tem acontecido em toda sociedade. Em um tempo de desigualdade crescente, a mercantilização de tudo significa que pessoas com riquezas e pessoas com meios modestos levam vidas cada vez mais separadas. Você pode chamar isso de camarotização da vida americana. Não é bom para a democracia, tampouco é uma maneira satisfatória de viver.


A democracia não requer igualdade perfeita, mas requer que os cidadãos compartilhem uma vida comum. O que importa é que pessoas de diferentes contextos e posições sociais se encontrem e se choquem umas contra as outras no curso da vida cotidiana, pois é assim que aprendemos a negociar e tolerar nossas diferenças, é como aprendemos a nos importar com o bem comum.

Fonte: http://fronteiras.com/canalfronteiras/entrevistas/?16%2C196

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