Você daria uma boneca de presente de aniversário para o filho de amigos?


Meninas em busca de bonecas em loja de brinquedos em São Paulo

Vamos a um exercício que pode revelar algumas coisas insuspeitas sobre nós. Você foi convidado para o aniversário de quatro anos do filho de amigos e está às voltas com a escolha do presente. A pergunta que não quer calar: Você lhe daria uma boneca?

É claro que concordamos que os homens devem cuidar igualmente dos filhos e dividir as tarefas com as mulheres e afirmamos isso com convicção até para uma eventual sogra ou cunhado ultra machistas. Salvo as seitas retroalimentadas pelo algoritmo do Facebook ou o despudor, dificilmente alguém defenderia em público uma divisão de tarefas não igualitária entre homens e mulheres.

Minha resposta à pergunta acima? Você, eu não sei, mas eu, provavelmente, não levaria. Ainda que eu esteja cansada de saber que as crianças de quatro anos adoram brincar de boneca e casinha, sejam meninas ou meninos, eu não levaria. Por quê? Pela preguiça de causar uma comoção, que incrementaria a fama de inconveniente que pesa sobre psicanalistas.

A patrulha sobre a brincadeira dos meninos permanece cerrada e ainda nos inibe em gestos tão irrefletidos que se tornam corriqueiros. Embora tenhamos a saudável tendência de apontar para os constrangimentos a que estão submetidas as meninas, ignorar as inibições a que estão sujeitos os meninos não nos ajudará a diminuir as desigualdades de gênero. O clichê "homem que é homem não chora" já foi criticado o suficiente, mas não deixa de ter efeitos nefastos. O toque afetuoso, tão comum e elogiado entre meninas, é substituído por lutas e safanões entre meninos. Diante da tristeza, os rapazes são orientados a partir para a ação com o intuito de pensar em outra coisa.

Pensando fora da bolha formada por meia dúzia de escolas progressistas concentradas na zona oeste da capital, que por sinal sofrem de outros tantos preconceitos, veremos que a chegada de um menino vestido de fada ou rainha na escola pode ser um caso de polícia, enquanto que a roupa de cowboy em uma menina passa desapercebida. A comoção revela nossa inabilidade em lidar com nossas fantasias sobre a masculinidade.

O primeiro estudo meta-analítico sobre depressão pós-parto em homens publicado no "The Journal of American Medical Association" (James F. Paulson e Sharnail D. Bazemore, Jama, 2010) revela que os sintomas apresentados são muito próprios do universo cultural masculino e, portanto, difíceis de identificar. Enquanto as mulheres que se deprimem depois do nascimento do filho, de forma geral, costumam apresentar um quadro de tristeza, irritabilidade e ensimesmamento, nos homens os sintomas se deslocam para o uso excessivo de medicamentos e drogas, mudanças bruscas na rotina, aumento do risco de acidentes e outras formas de atuação que buscam driblar uma tristeza, com a qual estão pouco habituados a lidar.

Não temos como saber de antemão como cada sujeito vai lidar com a parentalidade, que é considerada uma crise maturativa, benigna, mas psicologicamente tão arriscada quanto a crise da adolescência. Sabemos, porém, que estamos todos condenados a lidar com os momentos críticos de nossas vidas usando os recursos psíquicos que desenvolvemos até então. Que condições estamos oferecendo para que os meninos desenvolvam esses recursos?

Vera Iaconelli – psicanalista, fala sobre relações entre pais e filhos, as mudanças de costumes e as novas famílias do século 21.

Fonte: coluna jornal FSP

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