ChatGPT deveria dar humildade e motivação, não
preguiça
Afinal,
ainda tem muito que só você é capaz de fazer se quiser.
Claro que meus colegas estão em polvorosa com as
habilidades do ChatGPT.
Para quem esteve dormindo em matéria de tecnologia
nas últimas semanas, esse é o nome do algoritmo que gera textos a pedido do
freguês.
O ChatGPT foi criado pela OpenAI, a mesma empresa que trouxe até você
o Dalle-2, que gera imagens sob demanda.
O motivo do alvoroço é que o ChatGPT escreve textos passavelmente
convincentes à primeira vista, que serviriam como dever de casa ou até
respostas de questões discursivas de prova, e boa parte da discussão tem se
focado em como detectar esses casos indiscutíveis de trapaça.
Eu acho que essa pergunta é errada.
Não é de ontem
que a gente apela para algoritmos que resolvem problemas muito mais rapidamente
do que a gente –minha definição operacional, aliás, de tecnologia.
Calculadoras fazem isso, poupando a gente do tempo
que usar papel e lápis para montar multiplicações e divisões com resto exige; a
memória de trabalho delas, que vai representando os resultados parciais ao
longo do processo, é muito melhor do que a nossa.
Livros também armazenam um
mundo de informação, disponível para consulta sob demanda.
O ChatGPT é perfeitamente capaz de juntar palavras seguindo
a gramática e informações seguindo associações encontradas no banco de dados.
Palmas para ele: a gente leva ao menos uns dez anos aprendendo a fazer isso, e
os engenheiros da OpenAI entenderam o suficiente do processo para repeti-lo sob
encomenda.
O que o ChatGPT não faz é gerar CONHECIMENTO –digo
isso assim mesmo, em letras garrafais. Informação existe em associações de
ideias e eventos: interruptor pra cima, luz acesa; interruptor pra baixo, luz
apagada.
Isso é o que o algoritmo é programado para fazer, e, seguindo as
regras do jogo, produz frases gramática e sintaticamente corretas que firmam
essas associações.
Agora, conhecimento... este dá trabalho e só se
constrói às custas de USAR informações –assim, de novo, em letras maiúsculas.
É
preciso interagir com o interruptor para descobrir que é a sua ação de movê-lo
para cima e para baixo que controla a luz e então assimilar essa
causa-consequência no seu kit de ferramentas: ela estará lá quando você
encontrar um quarto escuro e é ela que vai fazer você tatear à procura de algo
que traga claridade.
Quem delega seu dever de casa ao ChatGPT abre mão dessa
oportunidade de gerar conhecimento em seu próprio cérebro. Esse cérebro cede à
preguiça, uma pena.
Mas não há que ser assim. Professores, os piores inimigos da
preguiça mental, podem incorporar a preguiça ao processo: basta por exemplo
pedir aos alunos para fazer, sim, seu dever de casa apelando para o ChatGPT
–mas então EDITAR (de novo, maiúsculas) o resultado, usando seu conhecimento e
seus valores (outra coisa que o algoritmo não tem, mas aí já é outra coluna).
Aluno, mostre que você é mais do que um simples algoritmo.
A única razão de banirem livros até hoje foi por nos fazerem
pensar, não por nos impedirem. Se um dia o ChatGPT de fato incomodar, vai ser
porque insuflou mentes a pensar coisas novas, não a se acomodar.
SUZANA
HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade
Vanderbilt (EUA).