Compulsão por compras pode estar associada a outros transtornos como bipolaridade


Uma blusinha em promoção no site, um objeto para a casa, um presente para um amigo. Não é pelo produto em si, mas pela satisfação de comprar. Só que depois da euforia, vem a culpa.

Quem tem compulsão por compras, a chamada oniomania (a palavra deriva dos termos gregos “oné”, que significa aquisição, e “manía”, estado de loucura), enfrenta constantemente um sofrimento emocional por ter perdido o controle, explica a psicóloga Tatiana Zambrano Filomensky, coordenadora do Programa para Compradores Compulsivos do Pró-Amiti (Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso), que faz parte do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas,  da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

Tatiana explica que, ao contrário do consumista, que gosta de exibir o que adquiri, o comprador compulsivo tenta esconder esse comportamento.

“Ele não expõe, não demonstra, porque sabe que aquilo acarreta sérios problemas na vida dele”, afirma.

A psicóloga conta que mais de cem pessoas se inscrevem anualmente para receber tratamento no Pró-Amiti. O programa é gratuito e inclui sessões de terapia em grupo, atendimento psiquiátrico, além de orientação financeira e familiar.

“Agora, no fim de 2019, estamos chamando pessoas que se inscreveram no início do ano”, revela.

A oniomania foi relatada pela primeira vez na década de 1920 pelo psiquiatra alemão Emil Kraepelin e começou a ser tratada como um transtorno do impulso nos anos 1990.

Leia a seguir a entrevista com a psicóloga.

Como uma pessoa pode identificar se tem compulsão por compras? 
O compulsivo entra num modo de sofrimento. Isso é o que o diferencia de um consumista. O sofrimento emocional ocorre por ele ter perdido o controle. Ele tenta se impor limites, mas não consegue cumpri-los. É totalmente diferente do consumista. O consumista pode até se endividar, comprar mais do que deveria, mas ele mostra para todo mundo, quer expor o que comprou, pôr na rede social. Já o compulsivo, não. Ele não expõe, não demonstra, porque sabe que aquilo acarreta sérios problemas na vida dele.

Quais são os sintomas da oniomania? 
Um dos sintomas é a preocupação excessiva com as compras. A pessoa fica irritada, inquieta ou ansiosa se for impedida de comprar. Ela tem uma vontade progressiva de comprar, passa a comprar cada vez mais para se satisfazer. E há uma sensação de satisfação emocional que tem por trás disso. Então ela procura uma anestesia emocional.

Não é só pelo produto em si. Porque o comprador compulsivo pode comprar para ele mesmo ou para dar de presente. O que importa para ele de fato é o ato de comprar.

Antes da compra tem uma sensação de excitação, de fissura, de realizar o ato. E logo após há uma sensação de prazer, que muitas vezes vem seguida por culpa, arrependimento.

Isso faz com que a pessoa entre num modo de rebaixamento das emoções em que ela não se sente bem. E o próprio estado emocional mais entristecido, arrependido, culpado, faz com que a pessoa busque em outro momento comprar de novo, para ter satisfação mais uma vez.

A compulsão por compras pode estar relacionada a outras doenças, como a depressão? 
Sim. A compra compulsiva dificilmente vem sozinha. Na maioria das vezes, vem acompanhada de episódios tanto depressivos, em que a pessoa acaba buscando na compra uma satisfação, uma tentativa de melhorar o seu humor, como em estados de ansiedade mais excessivos, em que a pessoa descarrega na compra essa agitação.

Pode se manifestar no transtorno bipolar também. A pessoa com transtorno bipolar pode também ter um problema com compras compulsivas. Por isso é muito importante fazer um diagnóstico, principalmente em relação ao transtorno bipolar. Porque nesse caso a pessoa tem uma fase de depressão e outra de estado eufórico. Quando ela está no estado eufórico, gastar demais é um dos sintomas. Então se a pessoa só compra em um estado de euforia, ela não tem oniomania, ela só tem transtorno bipolar. Mas se ela compra nos estados de depressão, ou mesmo em um estado de humor mais equilibrado, aí a gente tem as duas doenças ao mesmo tempo.

É comum uma pessoa com compulsão por compras apresentar outros hábitos compulsivos, como vício em jogo? 
Algumas pessoas até apresentam outras compulsões, mas não é a maioria. Assim como a gente tem a questão com outras doenças psiquiátricas, como depressão e ansiedade, também pode acontecer de a pessoa ter a compra relacionada com uma questão alimentar, que é uma dependência de comida.

No Pró-Amiti, já tivemos casos de vício em jogo, de cleptomania [impulso de furtar objetos], de tricotilomania [impulso de arrancar o próprio cabelo], de automutilação, de “skin picking”, que é quando a pessoa cutuca a pele. São comportamentos impulsivos que podem aparecer.

O que não acontece, que as pessoas têm uma falsa ideia, é de que há uma migração. “Ah, eu tratei a compra e agora vou ficar viciada em comida”, por exemplo. Não é assim que funciona. A pessoa já apresenta [a compulsão], o ponto é que alguma coisa pode estar mais evidente. A compra está mais evidente naquele momento. Aí a pessoa começa a controlar a compra e vem à tona a questão da comida. Mas não surge porque a pessoa desenvolveu uma nova compulsão.

Datas como o Natal ou a Black Friday podem servir como gatilhos para o comprador compulsivo? 
Toda e qualquer promoção, época de Natal, aniversários, datas comemorativas, tudo isso tem um apelo comercial que atinge todas as pessoas. No comprador compulsivo, como ele tem um desequilíbrio em relação ao consumo, isso pode provocar um descontrole mais intenso. Não é que ele se planeja para gastar na Black Friday. Ele já vem gastando como sempre e aí, nessa época, isso fica muito mais intenso porque tem um apelo da mídia muito grande. Então vem aquela sensação de “como eu não vou participar? Eu estou perdendo”.

Como o comprador compulsivo pode buscar ajuda?
Ele deve procurar um psicólogo e explicar seus hábitos de consumo, os problemas que foram adquiridos ao longo do tempo. Porque não é um problema que acontece só uma vez, ou só por um período. Geralmente é um problema que a pessoa carrega por décadas. Porque compra uma vez, se descontrola, aí a família vem, ajuda e resolve. Aí passa um tempo, compra mais e se endivida de novo.

O endividamento, eu falo bastante, embora não seja um critério de diagnóstico, mas é presente em 99% dos casos que a gente trata no Pró-Amiti. E isso é uma das coisas que mais gritam no ambiente familiar.

Então procurar ajuda para falar sobre isso é um passo importante, porque as pessoas procuram ajuda, às vezes, para outras coisas. Elas vão procurar um médico falando que estão com um quadro de depressão, com um quadro de ansiedade, mas não falam que gastam, que compram. Falar sobre isso com um psicólogo ou com um psiquiatra é muito importante.

O trabalho da reeducação financeira também faz parte. O descontrole financeiro não é a causa do problema, porque a causa do problema de fato é emocional, mas a reeducação financeira é muito importante para que as pessoas passem a olhar para o dinheiro de uma forma diferente.

Como identificar se uma pessoa da família é compulsiva e ajudá-la?
Você percebe que a pessoa sempre chega com coisas, com sacolas, que passou a fazer compras sozinha. Ela não compartilha mais desse momento, que é um momento prazeroso o consumo. Só que o comprador compulsivo deixa de comprar na presença de outra pessoa, ele passa a comprar escondido. Principalmente quando as questões financeiras vêm à tona, como as dívidas, a dificuldade de pagar os cartões de crédito. São sintomas que vão demonstrando que a pessoa está perdendo o controle em relação ao consumo.

O melhor a fazer é conversar, mostrar que isso é um problema, que ela não escolhe [comprar], que ela não é uma pessoa sem vergonha, sem caráter, que está gastando o dinheiro de forma desequilibrada, mas que é um problema. E que tem tratamento.

A própria internet hoje facilita e ajuda muito a busca por conhecimento. Então buscar realmente o tratamento com psicólogo, falar sobre isso, procurar um médico psiquiatra.

Há remédios que reduzem um pouco a impulsividade, a fissura, ajudam no controle do humor, se o paciente for bipolar. Falar com um médico é bastante importante. Não vai ter uma pílula que vai fazer a pessoa parar de comprar, mas vai ajudar.

Como é o tratamento no Pró-Amiti? 
O tratamento é gratuito, composto tanto do tratamento psiquiátrico como do psicológico. A pessoa deve se inscrever pelo site. Quando ela for chamada, vai passar por uma triagem em que a gente avalia se realmente ela é uma compradora compulsiva.

Se for confirmado, ela passa por toda a nossa seleção de triagem, de investigação, porque nós somos um grupo de pesquisa. Depois disso, ela vai receber um tratamento médico e psicológico.

No tratamento psicológico, a gente trabalha desde as questões que envolvem o motivo de comprar compulsivamente, quando que isso virou um problema, por que essa pessoa compra de um jeito que virou uma doença. A gente tem o trabalho de orientação familiar e de orientação financeira concomitantemente com o tratamento psicológico.

O tratamento é em grupo e tem em torno de 20 sessões de psicoterapia, o que dura mais ou menos uns seis meses. A gente faz a avaliação no início e no final do tratamento.

Quais são as principais queixas do paciente quando chega ao Pró-Amiti? 
O endividamento, as brigas familiares, a perda de controle sobre o que compra. Tem caso de paciente que demitido às vezes por justa causa, porque acabou pegando o dinheiro da empresa.

Existe cura para a oniomania? 
Assim como as dependências químicas, existe controle. Assim como as dependências químicas, a compra compulsiva é considerada uma dependência do comportamento. E para dependências não se fala em cura, fala-se em controle, em estabilidade. Reconhecer gatilhos que levam a comprar compulsivamente, que estão pautados, na maioria das vezes, nas razões emocionais, no desequilíbrio emocional, em que a pessoal busca na compra um remédio para uma questão emocional, para ter uma sensação de anestesia.

Sílvia Haidar – jornalista

Fonte: jornal FSP


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