Faz sentido, para uma alcoólatra, procurar namorado
em aplicativo?
- Fico espantada com a quantidade de homens que colocam a bebida em
primeiro lugar no perfil
- É desencontro de interesses; a sobriedade me deu novo rumo
Faz
um tempinho que estou querendo um namorado. Não que minha vida seja ruim
sozinha, muito pelo contrário, mas acho que seria legal viver essa experiência.
Já contei aqui que, por causa do álcool, tive poucos relacionamentos duradouros. Foram
apenas dois. O resto foi farra, ou grandes furadas.
Minha
amiga Rosa me recomendou entrar nos aplicativos —ela encontrou seu último
namorado por meio deles. Ai, que preguiça, pensei. Já me aventurei por eles há
mais de dez anos e voltar a esse universo me soa estranho.
De qualquer modo,
aceitei o conselho e entrei em dois.
Não sei se todo mundo sabe, mas a oferta
de parceiros é gigantesca e a pessoa vai escolhendo como um baralho. Um serve,
outro não.
Desde
que parei de beber, eu pouco saio à noite, para
não dizer que nunca saio. As saídas são sempre um tormento porque, quando chego
nos lugares, todo mundo, ou quase, está em um patamar de alegria diferente do
meu.
As pessoas já beberam ou simplesmente estão acostumadas às baladas e ficam
contentes por estarem revendo os amigos. Não que eu não fique contente, mas,
como não saio tanto, acabo perdendo o fio das conversas. Estou sempre meio
boiando e fico entediada.
Minhas saídas são mais relacionadas ao trabalho e
aí tenho pouca chance de encontrar alguém. Estou sempre
focada na tarefa, até porque já fiz muita besteira nos meus empregos quando
estava na ativa. Fico concentrada no que tenho de fazer e pronto.
Restam encontros com amigas para um cineminha ou um
café —não vou a bares. Nos cafés as pessoas estão calmas, muitas delas
acompanhadas. É raro ver alguém chegar sozinho e puxar conversa com gente de
outra mesa. No cinema, então, a chance de conhecer alguém é praticamente zero.
Pensei
em fazer uma repescagem dos homens com quem já tive algum tipo de história,
mas, logo no primeiro contato com um ex, já me arrependi. Portanto decidi
acatar a recomendação da Rosa e recorrer aos aplicativos.
Quando
abri um deles pela primeira vez, fiquei espantada com a quantidade de homens
que botam a bebida em primeiro lugar no perfil. A cerveja, a taça de vinho.
Juro, quase 90% postam algum tipo de bebida na foto. Como eu, que não bebo
nada, poderia sair com uma pessoa dessas?
O desencontro de interesses vai aparecer logo no
primeiro encontro. Falei com meu terapeuta que preciso arrumar um homem 50+,
porque esses são mais propícios ao café, à conversa. Mas talvez eu esteja
enganada.
Fiquei pensando se essa busca faz algum sentido.
Esses aplicativos me dão a sensação de estar em um corredor infinito, cheio de
portas que nunca se abrem de verdade. Todo mundo tentando parecer interessante,
aberto ao novo. Mas por trás das fotos e descrições, não sei não…
Fechei o celular e fui fazer um café. O silêncio da casa me
acompanhou até a cozinha. Às vezes acho que me acostumei a ele e está tudo bem
com isso. Não preciso me dedicar à saga de querer encontrar alguém.
Estou sozinha, mas sem o álcool, e no fundo faz
pouco tempo que consegui viver sozinha e curtir. Tenho que aceitar que as
coisas demoram, mas têm seu lugar. Não namoro agora, mas amanhã é outro dia.
Tudo teve um outro sentido com a sobriedade e é
assim que vou viver. Lúcida e aberta para o que tiver que ser.
ALICE S. – blog Vida de Alcoólatra