EFPCs: Turbulência em 2024, Recuperação em 2025


EFPCs: Turbulência em 2024, Recuperação em 2025

O Regime de Previdência Complementar Fechada (RPCF) brasileiro encerrou o ano de 2024 em meio a um cenário de intensa turbulência nos mercados financeiros, registrando um déficit atuarial líquido de R$ 9 bilhões após um ano marcado por desvalorizações expressivas em praticamente todas as classes de ativos. 

Com um patrimônio total de R$ 1,304 trilhão, o setor enfrentou um dos períodos mais desafiadores da última década, reflexo direto da volatilidade econômica que caracterizou o ano. 

Contudo, os primeiros meses de 2025 trouxeram sinais consistentes de recuperação, com os ativos alcançando    R$ 1,329 trilhão em abril, evidenciando a resiliência de um sistema que protege mais de 8 milhões de brasileiros e representa aproximadamente 13% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

O relatório divulgado pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) em agosto de 2025, referente ao exercício de 2024 e ao primeiro quadrimestre de 2025, oferece um retrato detalhado das transformações, desafios e perspectivas de um setor que desempenha papel estratégico tanto na proteção social quanto no financiamento da economia brasileira. 

A análise dos dados revela não apenas os impactos conjunturais da crise de confiança que abalou os mercados no final de 2024, mas também tendências estruturais de longo prazo que moldam o futuro da previdência complementar no país.

O Ano da Tempestade Perfeita: 2024 em Números

O ano de 2024 será lembrado como um período de grandes oscilações de expectativas, com reflexos diretos na elevada variabilidade dos preços dos ativos financeiros. 

No fim do ano, prevaleceram movimentos de desvalorização dos valores mobiliários que compõem as carteiras dos planos de benefícios geridos pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). 

O Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, apresentou queda de 10,3%, enquanto os índices de títulos públicos atrelados à inflação registraram desempenhos igualmente negativos: o IMA-B recuou 2,44% e o IMA-B 5+, que representa títulos com vencimentos iguais ou superiores a cinco anos, despencou 8,63%.

Esse cenário adverso foi agravado pela aceleração inflacionária, com o IPCA encerrando o ano em 4,83%, acima do teto da meta estabelecida pelo Banco Central. 

A desconfiança em relação à condução da política fiscal e as incertezas sobre a trajetória das contas públicas alimentaram uma fuga de capitais que resultou na valorização do dólar em mais de 27% frente ao real ao longo de 2024. 

Essa combinação de fatores criou uma tempestade perfeita para os gestores de fundos de pensão, que viram o valor de mercado de suas carteiras encolher significativamente, especialmente no último trimestre do ano.

O reflexo dessa volatilidade sobre o resultado atuarial dos planos de benefícios foi imediato e profundo. 

Ao final de 2024, o RPCF apresentava um déficit líquido consolidado de R$ 9 bilhões, resultado da diferença entre 357 planos superavitários, que somavam R$ 22 bilhões de superávit, e 217 planos deficitários, com um passivo descoberto de R$ 31 bilhões. 

Esse desequilíbrio, embora significativo, deve ser contextualizado dentro da magnitude do sistema: representa menos de 0,7% do ativo total, indicando que, apesar das adversidades, a estrutura geral do regime permanece sólida.

A Luz no Fim do Túnel: Recuperação em 2025

Quando da finalização do relatório da PREVIC, em meados de 2025, já se registravam avanços positivos quanto à evolução das rentabilidades dos ativos no mercado financeiro nacional. 

O Ibovespa finalizou o primeiro semestre de 2025 com uma valorização de 15,4%, recuperando parte significativa das perdas do ano anterior. 

Os índices de títulos públicos também apresentaram desempenho robusto: o IMA-B avançou 6,05% e o IMA-B 5+ registrou ganho de 10,73% no período. 

Esses números sugerem uma reversão da tendência negativa observada em 2024 e apontam para uma possível recuperação dos resultados atuariais ao longo do ano.

O ativo total do RPCF cresceu 1,92% entre dezembro de 2024 e abril de 2025, passando de R$ 1,304 trilhão para R$ 1,329 trilhão. 

Esse crescimento, embora modesto em termos percentuais, representa um incremento nominal de R$ 25 bilhões em apenas quatro meses, sinalizando que o sistema retomou sua trajetória de expansão. 

Vale destacar que, mesmo em meio à turbulência de 2024, o ativo total cresceu R$ 20 bilhões em relação a 2023, evidenciando a capacidade do regime de absorver choques e manter sua funcionalidade.

A Estrutura do Setor: Consolidação e Transformação

A análise da estrutura do RPCF revela movimentos de consolidação e transformação que transcendem as oscilações conjunturais dos mercados. 

Em abril de 2025, o setor contava com 270 EFPC, cinco a menos do que em 2021, administrando 1.171 planos de benefícios. 

Essa redução no número de entidades, acompanhada pelo crescimento dos ativos, reflete um processo de reorganização setorial impulsionado por fusões, incorporações e transferências de gerenciamento. 

O objetivo é claro: buscar ganhos de escala e maior eficiência operacional em um ambiente cada vez mais complexo e regulado.

A distribuição dos ativos por tipo de patrocínio revela a predominância do setor público. As 75 EFPC de patrocínio público concentram R$ 770,81 bilhões, ou 58% do total, sendo que as entidades vinculadas ao governo federal respondem sozinhas por R$ 678,69 bilhões. 

As 176 EFPC de patrocínio privado administram R$ 543,33 bilhões (41%), enquanto as 19 entidades instituidoras gerenciam R$ 15,39 bilhões (1%). Essa configuração reflete a história da previdência complementar no Brasil, fortemente ancorada nos grandes fundos de pensão de empresas estatais e bancos públicos.

Quando analisada por modalidade de planos, a estrutura revela uma transformação gradual, mas consistente. 

Os planos de Benefício Definido (BD), que garantem um benefício pré-estabelecido ao participante, ainda concentram 60% dos ativos (R$ 708,01 bilhões), distribuídos em 311 planos. Essa predominância decorre do fato de que os planos BD são, em geral, mais antigos e maduros, com décadas de acumulação de reservas. 

Os planos de Contribuição Variável (CV) representam 27% dos ativos (R$ 316,92 bilhões) em 348 planos, enquanto os planos de Contribuição Definida (CD) respondem por apenas 14% (R$ 160,81 bilhões), mas lideram em quantidade, com 536 planos.

Essa distribuição evidencia uma mudança estrutural em curso. Os planos BD, embora ainda dominantes em termos de patrimônio, estão em processo de redução quantitativa, passando de 308 planos em 2021 para 311 em 2025 (com oscilações no período). E

m contrapartida, os planos CD cresceram de 497 para 536 no mesmo período. Essa tendência reflete tanto mudanças normativas — especialmente a Emenda Constitucional nº 103, que impôs restrições aos planos BD para servidores públicos — quanto uma preferência crescente por modelos em que o risco de longevidade e de rentabilidade é compartilhado ou transferido ao participante.

A Expansão dos Planos Família e dos Entes Federados

Dois movimentos merecem destaque especial na análise da evolução recente do RPCF: a expansão dos Planos Família e o crescimento dos planos vinculados aos servidores dos entes federados (estados e municípios).

Os Planos Família, criados para democratizar o acesso à previdência complementar fechada, permitindo que pessoas físicas e jurídicas não vinculadas a uma empresa patrocinadora específica possam aderir a fundos de pensão, apresentaram crescimento expressivo desde sua regulamentação. 

Embora ainda representem uma fração pequena do total de ativos, sua importância reside na ampliação da cobertura do sistema para públicos tradicionalmente excluídos, como profissionais liberais, trabalhadores autônomos e pequenos empresários. 

Esse modelo tem potencial para se tornar um vetor importante de expansão do RPCF nos próximos anos.

Já os planos dos entes federados experimentaram um crescimento robusto, impulsionado pela obrigatoriedade constitucional de criação de regimes próprios de previdência complementar para servidores públicos. 

Em abril de 2025, esses planos totalizavam 132 unidades com R$ 91,668 bilhões em ativos, ante 118 planos e R$ 75,245 bilhões em 2021, representando um crescimento de 21,8% no patrimônio em quatro anos. 

Esse movimento é particularmente relevante para estados e municípios, que enfrentam desafios fiscais crescentes relacionados ao pagamento de aposentadorias e pensões.

O Papel Social e Econômico do RPCF

Além dos números financeiros, é fundamental destacar a dimensão social e econômica do RPCF. 

Em 2024, o sistema foi responsável pelo pagamento de R$ 86 bilhões em complementos de aposentadorias e pensões, garantindo dignidade e qualidade de vida a milhões de brasileiros na fase pós-laboral. 

As transferências totais, que incluem resgates e portabilidades, superaram R$ 100 bilhões, evidenciando a magnitude do fluxo financeiro movimentado pelo setor.

A rede protetora do RPCF alcança atualmente mais de 8 milhões de pessoas, sendo 4 milhões de participantes ativos e outros 4 milhões de dependentes com alguma relação de parentesco ou dependência econômica. 

Esse contingente representa uma parcela significativa da população economicamente ativa do país e demonstra a importância do regime como complemento essencial ao sistema público de previdência, que enfrenta desafios estruturais crescentes relacionados ao envelhecimento populacional e à sustentabilidade fiscal.

Do ponto de vista econômico, o RPCF desempenha papel estratégico no financiamento da economia brasileira. 

Com ativos equivalentes a aproximadamente 13% do PIB — patamar mantido de forma consistente nos últimos quinze anos —, os fundos de pensão são investidores institucionais de longo prazo, com capacidade de alocar recursos em projetos de infraestrutura, títulos públicos, ações de empresas e outros ativos que contribuem para o desenvolvimento do país. 

Essa função de poupança de longo prazo é especialmente relevante em uma economia como a brasileira, caracterizada por baixas taxas de poupança doméstica e dependência de capital externo.

Desafios e Perspectivas

Apesar da recuperação observada nos primeiros meses de 2025, o RPCF enfrenta desafios estruturais que exigem atenção constante. 

A volatilidade dos mercados financeiros, como demonstrado em 2024, pode impactar significativamente os resultados atuariais, especialmente em planos BD com carteiras concentradas em renda variável ou títulos de longo prazo. 

A transição demográfica, com o envelhecimento acelerado da população, pressiona os planos maduros, que enfrentam uma relação cada vez mais desfavorável entre contribuintes ativos e beneficiários assistidos.

A regulação do setor também é um fator crítico. A PREVIC tem buscado equilibrar a proteção dos direitos dos participantes com a sustentabilidade econômica das entidades, mas mudanças normativas frequentes podem gerar insegurança jurídica e dificultar o planejamento de longo prazo. 

A governança das EFPC, por sua vez, permanece como um desafio permanente, exigindo profissionalização, transparência e controle rigoroso de riscos.

Por fim, a ampliação da cobertura do RPCF é um objetivo estratégico que exige políticas públicas de incentivo, educação previdenciária e adaptação dos modelos de planos às novas realidades do mercado de trabalho, cada vez mais marcado pela informalidade, pela gig economy e por trajetórias profissionais não lineares.

Considerações Finais

O Relatório 2024 da Previdência Complementar Fechada oferece um retrato complexo e multifacetado de um setor que, apesar das adversidades conjunturais, mantém sua relevância estratégica para a proteção social e o desenvolvimento econômico do Brasil. 

A turbulência de 2024, embora tenha impactado negativamente os resultados atuariais, não comprometeu a solidez estrutural do sistema, que demonstrou capacidade de resiliência e recuperação nos primeiros meses de 2025.

O desafio agora é consolidar essa recuperação, fortalecer a governança, ampliar a cobertura e adaptar o regime às transformações demográficas e econômicas em curso. 

A previdência complementar fechada não é apenas um mecanismo de poupança individual, mas um instrumento de política pública voltado à justiça social e à construção de uma sociedade mais equitativa e sustentável. 

Compreender suas dinâmicas, desafios e potencialidades é essencial para todos os atores envolvidos — reguladores, gestores, participantes e a sociedade como um todo

ANDREA MENTE - Atuária, CEO Assistants Consultoria Atuarial

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