Estamos emburrecendo
Chegamos ao fim do
Efeito Flynn
Testes
de inteligência, ou quociente de inteligência (QI), são o filho enjeitado da
psicologia. Quando mostram o que a sociedade espera e aceita, esses testes são
celebrados como indicadores de inteligência de fato.
Em 1981, quando o
psicólogo James Flynn constatou que o desempenho de jovens adultos nesses
testes vinha aumentando progressivamente desde a origem dos testes, no começo
daquele século, o laudo foi pronto: "estamos ficando mais
inteligentes". Viva!
Mas
o chamado Efeito Flynn não só parece ter chegado ao seu fim como se reverteu em
torno do começo do novo século.
Em 2018, um estudo constatou que na Noruega, onde o mesmo teste foi aplicado de
1962 a 1991 a rapazes de 18 a 19 anos como parte do alistamento militar, o QI
médio subiu clara e progressivamente até os nascidos em 1975 –e dali em diante
passou a cair.
A diferença aparece até entre irmãos, que compartilham genética
e ambiente familiar.
O mesmo foi constatado em 2021 na Alemanha, e com ponto de inflexão semelhante:
em torno de 2010, o QI de jovens universitários, nascidos no final dos anos
1990, já havia estagnado, e dali em diante começou a cair.
Nos Estados Unidos, um estudo publicado em 2023
também confirmou: em todos os níveis de escolaridade, o QI de adultos da mesma
idade caiu progressivamente entre 2006 e 2018.
Isso quer dizer que estamos emburrecendo, então?
A
resposta, naturalmente, deveria ser "sim" –mas a própria autora do
estudo estadunidense logo pôs panos quentes dizendo a jornalistas que o
resultado "é apenas uma diferença
no desempenho nesses testes".
Irônico, quando seu estudo foi
publicado em um periódico chamado, justamente, Inteligência.
Ora, sejamos consistentes, por favor.
Independentemente do uso que a sociedade faz de
seus resultados, os testes de QI quantificam a habilidade de cada indivíduo de
resolver problemas que exigem raciocínio lógico, espacial e abstrato.
Se
inteligência é flexibilidade mental, como eu proponho, então representar várias
informações simultaneamente e manipulá-las mentalmente em prol de um objetivo,
numa espécie de malabarismo cerebral, é por excelência o que a inteligência
permite fazer.
Logo, se os literalmente malditos testes de inteligência medem
flexibilidade mental, então eles indicam, sim, a inteligência de um indivíduo.
E neste caso, da mesma forma que a humanidade se
tornou mais inteligente ao longo do século 20, agora ela está emburrecendo. A
pergunta importante é: por quê?
A resposta para esta pergunta ainda não existe.
Como os resultados entre irmãos indicam, não é culpa de uma "maior
fecundidade dos mais burros", como alguns ricos supõem.
Minha suspeita é
que tanto o Efeito Flynn quanto sua reversão indicam que a inteligência que se
mede em testes é uma habilidade resultante do uso que se faz das capacidades
biológicas com que nascemos, sobretudo enquanto crianças e jovens.
Ao longo do
século 20, a infância foi se tornando cada vez mais livre, ativa e interessante
–até começar a ser dominada por telas, que, seja na televisão, no iPad ou no
telefone, convidam à passividade e acabam com a exploração.
Deu no que deu: emburrecemos.
SUZANA
HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da
Universidade Vanderbilt (EUA)