Ejacular, ainda bem, não é mole não
- A ejaculação que põe fim ao ato sexual é reflexo puro
- Por outro lado, esse reflexo só acontece quando o cérebro faz força
para deixar
Eu
planejei escrever sobre ejaculação quando sentei à minha mesa para escrever
esta coluna? Nem um pouco. Mas o buraco de coelho era interessante demais
para ser deixado para depois.
Começou
com um artigo recente que ficou aberto no meu desktop, não lembro mais por que,
onde uma equipe de neurocientistas do Centro Champalimaud para o Desconhecido
(adoro o nome), em Lisboa, Portugal, relata que a população específica de
neurônios na medula espinal que comanda o músculo bulbocavernoso, cuja
contração rítmica causa a ejaculação, é por sua vez ativada diretamente por
neurônios sensoriais que trazem sinais dos genitais, formando um arco reflexo.
Tradução
para leigos: toque suficientemente nos genitais de um homem, e ele será levado
à ejaculação.
O toque não pode ser um qualquer, porque afinal os neurônios
sensoriais que cobrem o pênis, e também o clitóris, exigem pressão e movimento
para serem estimulados.
Mas, atendidas essas condições, estimulação basta,
porque a sequência de emissão e expulsão de sêmen é um ato reflexo: uma
sequência de ações que acontecem inevitavelmente toda vez que há estímulo
sensorial suficiente.
Só
que não a qualquer hora, nem em qualquer contexto –que foi o que me chamou a
atenção.
Ao contrário de outros reflexos, como a pupila que se contrai em
resposta à luz, o espirro causado por inalação de pimenta ou os olhos que
piscam em resposta ao vento, o reflexo que leva à ejaculação é mantido sob
supressão intensa e constante pelo cérebro.
O controle é tão eficaz que chega a
obliterar qualquer efeito dos neurônios sensoriais sobre os neurônios motores
na medula que causam a ejaculação.
O mesmo se aplica aos neurônios vizinhos,
efetores viscerais, que controlam a ereção.
A
supressão dos reflexos sexuais na medula é obra de neurônios na mesma parte do
cérebro que suprime quase todos os movimentos do corpo enquanto o cérebro
sonha: o núcleo reticular gigantocelular do tronco encefálico.
Em ambos os
casos, a supressão acontece por meio de inervação descendente que mantém os
neurônios efetores na medula inibidos.
Sonhando, os comandos motores do córtex cerebral
não são passados aos músculos porque os neurônios motores intermediários estão
forçados ao silêncio sob a liberação de glicina pelo núcleo gigantocelular.
E
acordados, estímulos sensoriais aos genitais –sejam pela roupa ou pela outrora
tão temida sela do cavalo ou bicicleta– não fazem absolutamente nada, porque a
serotonina que desce de neurônios vizinhos no núcleo gigantocelular até a
medula não deixa.
Ou seja: não há qualquer risco de indiscrições em público
(embora elas aconteçam durante o sono).
A coisa só muda quando a área pré-óptica e o
hipotálamo integram sinais suficientes de várias fontes, inclusive do próprio
estado mental, que sinalizam um contexto propício a interações sexuais.
Isso
leva a uma desativação da amígdala, o que reverte a situação no núcleo
gigantocelular e seu controle descendente da medula: com os músculos do corpo
relaxados e os reflexos sexuais agora liberados, a ejaculação e o orgasmo podem
acontecer.
Suprimir os reflexos sexuais é portanto o padrão do
cérebro, e libertá-los da inibição dá trabalho e exige concentração.
Péssima
ideia para espécies cuja perpetuação depende de fazer sexo, não é mesmo? Mas funciona...
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade
Vanderbilt (EUA)