Muita
gente fala mal da tecnologia e levanta até a possibilidade de o deficit de
atenção de tantas crianças e jovens adultos ser causado pelo uso dos aparelhos
modernos, que permitem (ou exigem) que a atenção seja dividida entre várias
tarefas ao mesmo tempo. Eu discordo e, continuando minha campanha em prol da
tecnologia (e contra, isso sim, seu mau uso), digo o porquê: a melhor coisa que
pode acontecer para melhorar a capacidade de atenção do cérebro é justamente
exigir dela.
A neurociência aprendeu isso com uma das invenções tecnológicas
mais execradas nos círculos pseudocientíficos: o videogame. Primeiro,
descobriu-se que ficar horas a fio na frente do monitor não faz mal algum à
visão. Pelo contrário, a acuidade visual até melhora em alguns jogadores.
Segundo, jogadores de videogames de ação, como Grand Theft Auto,
Medal of Honor ou Call of Duty, têm uma capacidade maior do que não jogadores
de não se deixar distrair por objetos fora do foco de atenção, ao mesmo tempo
em que conseguem detectar objetos interessantes na periferia do campo de visão.
Ou seja: têm maior capacidade de atenção.
Há que ser cético, contudo, e lembrar que talvez seja justamente
uma maior capacidade prévia de atenção de alguns jovens que faça com que eles
se dediquem muito mais do que os outros aos videogames de ação atividade que
seria naturalmente mais fácil para eles, nesse caso. Mas é fácil tirar a
dúvida: basta treinar jovens não jogadores e medir sua capacidade de atenção
antes e depois da prática.
Resultado: tanto moças quanto rapazes que passam a jogar Medal
of Honor diariamente, por exemplo, demonstram melhora na coordenação
visuomotora, na capacidade de detectar objetos e na atenção, com apenas dez
dias de treino. Jogar o bem-comportado Tetris, em comparação, não adianta nada.
A atenção melhora ... quando se presta atenção assim como a memória melhora
quanto mais recorremos a ela.
É claro que jogar videogames pode trazer problemas. Assim como
beber água em excesso faz mal (sabia?), jogar demais pode ser nocivo,
principalmente para jovens e crianças com predisposição a comportamento
impulsivo e, antes de mais nada, por tomar o tempo em que eles poderiam estar
aprendendo outras coisas. Mas, de novo, o problema não é da tecnologia: é do
mau uso que fazemos dela.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora
da UFRJ e apresentadora do programa "Cerebrando" (cerebrando.net)
Fonte: http://www.suzanaherculanohouzel.com/